terça-feira, 22 de março de 2011

A Anunciaçao


Diz o Evangelho segundo Lucas que Maria, após a anunciação do anjo, “pôs-se a caminho, e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia” (Lc 1, 39). Queria visitar a sua prima Isabel, mulher avançada na idade, estéril, a quem Deus havia prometido um filho (Lc 1, 7). O seu marido, Zacarias, não acreditou em Deus e, por isso, ficou mudo até ao dia do nascimento. Disse ele ao anjo: “Como hei-de verificar isso, se estou velho e a minha esposa é de idade avançada?” (Lc 1, 18). O filho era João Baptista (Lc 3, 3).

Este quadro que vês pertence a Jocopo Carruci, também conhecido por Pontormo, chama-se La visitazione e data de 1528. O motivo é evidente: a visita de Maria à sua prima Isabel, por altura da gravidez.

É, portanto, natural que surjam, em primeiro plano, as figuras principais. Duas mulheres que se abraçam, que criam intimidade. É um momento há muito desejado, não só por elas, mas também pelos seus filhos, que aqui se tocam. Diz-nos Lucas que Maria “saudou Isabel” e, “ouvindo a saudação, o menino saltou-lhe de alegria no seio” (Lc 1, 40-41). Isabel corresponde ao gesto, “ergue a voz” e exclama um cântico de louvor pela maternidade de Maria e pelo “fruto do seu ventre” (Lc 1, 42). Um círculo perfeito, como ilustra o entrelaçar dos braços. Isabel, ao contrário de Zacarias, soube reconhecer a singularidade de Maria. Na verdade, o filho de Maria é o Cristo há muito esperado e, portanto, ela é a “mãe do Senhor” (Lc 1, 43). Palavras iluminadas, uma autêntica profissão de fé, apenas possível por meio de uma revelação divina. E agora repara na mão direita de Maria, disposta num modo pouco usual. Os dedos invocam a Trindade, fonte que ilumina as palavras de Isabel. Quando não se acredita, fica-se mudo. Quando se acredita, tudo fica mais claro. Invocam, ainda, este Deus que se faz próximo e que, por meio de Jesus, comunga a nossa humanidade, divinizando a nossa existência quotidiana (os dois dedos centrais juntos).

Curiosas são também as duas figuras em segundo plano. Parecem alheias ao acontecimento. Todavia, estão dispostas simetricamente em relação a Maria e Isabel, constituindo uma espécie de reforço simbólico. A mais nova do lado de Maria e a mais velha do lado de Isabel. Alguns autores, como Philippe Costamagna, falam de uma transição entre a antiga Igreja e a nova Igreja, do primeiro Testamento para o segundo Testamento. Neste sentido, é necessário recordar as palavras de Cristo: “A Lei e os Profetas subsistiram até João; a partir de então, é anunciada a Boa-Nova do Reino de Deus” (Lc 16, 16). E, no fundo, aquele abraço simboliza a inauguração da nova Igreja, com profundas raízes judaicas.



O olhar das personagens é algo formidável. Maria e Isabel estão completamente absorvidas uma pela outra. Olham-se directamente. Maria com um olhar mais determinado fixa-se em Isabel. Ela, por sua vez, com a cabeça ligeiramente inclinada olha para Maria, procura encontrar um sentido para o mistério que está a acontecer. Daí que a sua perna esteja ligeiramente flectida. Perante aquele(a) que é portador(a) do mistério, a reacção é sempre de espanto e admiração, flectindo-se o joelho: “Vinde, prostremo-nos por terra, ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou” (Slm 95, 6).
Por sua vez, as duas senhoras em segundo plano fixam-se em nós. Forçam-nos a olhar para o centro do quadro e a gravarmos na nossa memória o que ali se passou. Não fazemos nós parte do mesmo mistério de Cristo? Nós procuramos também nós uma explicação para tantos mistérios da nossa vida?
Pe Tiago Feitas

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