quinta-feira, 9 de junho de 2011

Viver Pentecostes

António Valério, s.j.


A Solenidade de Pentecostes, que celebramos este Domingo, é o tempo em que a Igreja professa a sua fé na efusão do Espírito Santo sobre os apóstolos reunidos no Cenáculo e que continua a ser derramado no coração e na vida da Igreja e de cada cristão. Porém, como tudo o que pertence à dimensão eclesial não pode ser separado do seu contexto cultural e social, também a descida do Espírito Santo sobre o cristão tem implicações necessárias na vida e nas estruturas sociais.

Um cristão não é definido como alguém que está fechado num determinado âmbito, neste caso, o da fé religiosa, como se o facto de pertencer à Igreja fosse uma «ilha» desligada das restantes dimensões da vida. Um cristão é um crente, mas sem deixar de ser pai, mãe, filho, amigo, empresário, professor, político, operário, etc… Se ao Reino de Deus pertence um dinamismo de crescimento íntimo, qual «fermento na massa» ou «pequeno grão de mostrada», então cada cristão, pela força do Espírito Santo, é depositário desta responsabilidade de fazer nascer, crescer e frutificar a presença de Deus no mundo. Do mesmo modo, a Igreja é chamada continuamente a tornar eficaz esta mesma presença, considerando que as suas fronteiras não se limitam ao espaço das igrejas e do seu culto, da hierarquia ou dos grupos de crentes. Tudo o que é humano é essencialmente relacional, é toque, contacto, encontro e mistura de vidas e ambientes.

O Pentecostes, como vem relatado nos Actos dos Apóstolos, leva a primeira comunidade cristã a anunciar publicamente a grande notícia da Ressurreição. Os apóstolos têm diante deles uma enorme multidão constituída pelos cidadãos de todas as nações conhecidas do mundo de então. O dinamismo do Espírito é sair das próprias fronteiras e falar a partir de um entusiasmo que é capaz de ser entendido em todas as línguas. Esta acção surpreendente do Espírito tem um destino e uma missão muito concretos. Na sua homilia na Solenidade do Pentecostes, em 2010, o Papa Bento XVI caracterizava esta missão como destinada à unidade: «Onde existem lacerações e estranhezas, ela cria unidade e compreensão. Tem início um processo de reunificação entre as partes da família humana, divididas e dispersas; as pessoas, muitas vezes reduzidas a indivíduos em competição ou em conflito entre si, alcançadas pelo Espírito de Cristo, abrem-se à experiência da comunhão, que pode empenhá-las a ponto de fazer delas um novo organismo, um novo sujeito: a Igreja. Este é o efeito da obra de Deus: a unidade; por isso, a unidade é o sinal de reconhecimento, o "cartão de visita" da Igreja no curso da sua história universal».

Na nossa sociedade, permanece muito presente o modelo de unidade caracterizado por Babel, oposto ao Pentecostes, isto é, a tentativa de criar um mundo uniformizado numa mesma forma de estar e comunicar. Os fenómenos da tecnologia, da informação, da globalização, se bem que aproximam mundos distantes, acabam por fazer imperar uma lógica que leva à competição e à imposição de determinados modelos que não têm em conta as características e peculiaridades de cada cultura e contexto.

Pelo contrário, no Pentecostes, a diversidade de línguas anuncia uma nova forma de estar e agir: a da unidade na diversidade. O anúncio do Evangelho pressupõe uma tradução contínua, uma aplicação a cada contexto. A invocação ao «Espírito Criador» tem consigo um dinamismo de criatividade que exige de cada cristão o diálogo contínuo e fecundo entre a fé e as outras dimensões da vida. São linguagens diferentes, mas movidas por um mesmo desejo de comunhão.

Os nossos mundos interiores e exteriores são desafios de «passagem» de uma notícia diferente, o dar ao outro a oportunidade de o ser verdadeiramente, de insistir no projecto de crescimento do Reino de Deus. É na força do Espírito que a comunhão acontece.

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