sábado, 8 de janeiro de 2011


Abba – Paizinho

Muitos cristãos, pela catequese que aprenderam, pela transmissão de conteúdos de fé pela família, pela vivência duma má ou até agressiva experiência da paternidade humana, pela vivência sem pai carnal junto de si e sem a experiência duma solícita e carinhosa paternidade, vêem Deus dum modo deformado: vêem-No mais como carrasco, como agressivo, como castigador, como vingativo, como culpado dos males que vão no mundo, como um Deus mais ao jeito do Antigo Testamento do que do Novo, depois das grandes revelações de Jesus.

Pela intenção que o Santo Padre nos coloca para nossa oração neste mês de Janeiro, pareceu-nos bom, justo e salutar, porventura esclarecedor e rico, dedicar o «dossier» deste mês à «Paternidade divina», para descobrirmos mais profundamente o Pai do Céu, seu amor, sua bondade, sua misericórdia, seu Coração de Pai, seu modo eloquente de ser «Paizinho». Todos precisamos de conhecer mais e melhor o amor do Pai e o seu comportamento, repleto de ternura e de compaixão para connosco. Jesus não Se cansou de falar do Pai e de O dar a conhecer. Morreu a entregar-Se confiante ao Pai.

Se a nossa «visão» espiritual do Pai, da primeira Pessoa da Trindade é acertada, recta, teológica, assente na palavra de Deus e no ensinamento da Igreja, tudo muda na nossa vida, começando pela nossa oração, que será mais confiante e filial, pelo nosso modo de receber os sacramentos, sobretudo a Reconciliação, pois encontramos o Pai da Misericórdia sempre pronto a perdoar, pelo modo concreto como vivemos no abandono filial, na certeza do Pai Providente e Bom. Tudo muda se a bússola do nosso coração se centra no Paizinho de Jesus e nosso, se confiamos n’Ele, se vivemos uma vida verdadeiramente filial.

Claro, evidente que mudará também a nossa relação com os outros, pois o Pai os ama, somos seus irmãos, teremos com eles uma relação alicerçada no amor e na graça. Haverá mais paz e comunhão, mais carinho e harmonia, mais diálogo e respeito, mais serviço e delicadeza, quer na família quer fora dela. Aceitar Deus como pai, como paizinho, como Lhe chamava Jesus na oração, e como clama o Espírito dentro de nós (S. Paulo diz que Ele clama em nós, Abba, Paizinho), levará a uma mudança total de vida, de comportamentos, de confiança para com Ele e de trato com os outros. É toda uma vida alicerçada no Amor do Pai, ou no Pai que é Amor e, por isso, tudo muda, tudo se vive noutra dimensão, tudo tem outra perspectiva.

A cruz de cada dia, que todos temos, mas alguns dos nossos contemporâneos de um modo mais duro, mais sangrento, mais doloroso, é vista, assumida e levada noutra dimensão, pois sabemos que o Pai a leva connosco e nos ajuda. As dificuldades do quotidiano, desde a doença ao desemprego, desde a carência de bens à falta de amor, são levadas de outro modo, pois sabemos que o Pai nos ama e cuida de nós. A solidão, a tristeza, porventura a angústia, tomam outros contornos, pois a confiança e o abandono no Pai nos conforta, estimula e anima.

A partir da nossa vocação baptismal, a partir do nosso rio Jordão, a fonte onde fomos baptizados, tudo se torna novidade divina nas nossas existências. Somos filhos e filhas bem-amados em quem o Pai coloca toda a sua complacência, todo o seu amor, toda a sua providência, toda a sua solicitude, toda a sua misericórdia. No seu Coração de Pai encontramos nossa força, nossa alegria, nosso bálsamo, nosso rochedo, encontramos a fonte divina de todo o dom e de toda a graça. Tudo nos vem de lá, como fonte sempre a jorrar, como amor fontal de todas as graças. O Pai derrama em nós sua felicidade e sua ternura, derrama a beleza infinita do seu divino amor.

Por isso, não podemos deixar de continuar a dizer, como Jesus: «Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra», não só porque revelas os teus mistérios aos pequeninos e aos humildes, mas porque és ternura que nos encanta, porque és força que nos anima, porque és bálsamo que nos cura as feridas da alma e do corpo, porque és Pai sempre acolhedor e bom, terno e delicado. E continuamos a rezar com S. Paulo: «Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo» porque nos quis seus filhos adoptivos, porque nos escolheu e predestinou para sermos santos, porque nos cumulou de todas as bênçãos espirituais em Cristo, porque nos salvou no Sangue de seu Filho, o Cordeiro Imolado por amor, porque continua a alimentar-nos do Pão do Céu, Corpo e Sangue de seu Filho Jesus Cristo, porque continua a cuidar de nós mais do que dos lírios do campo e do que das aves do céu. «Eu Te bendigo, ó Pai»; «Bendito sejas, ó Pai». Amém. Aleluia. Honra, louvor e glória a Vós, Pai de bondade, Deus santo, Deus forte, Deus imortal.

Dário Pedroso, s.j.

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