Homilia nas Ordenações Sacerdotais
1. Esta solene celebração na Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, em que ordenaremos novos presbíteros, é a última a que presido no meu ministério apostólico de Bispo de Lisboa. Esta celebração está mais voltada para o futuro do que para o passado. Seis novos presbíteros encarnam a esperança de futuro desta Igreja, que todos amamos e que servi, de diversas formas, durante toda a minha vida. Não podemos esquecer que estamos no Ano da Fé. Estará, certamente, no nosso coração o Credo em que acreditamos: “Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica”.
Alguém me sugeriu que seria melhor que estes presbíteros fossem ordenados já pelo novo Patriarca de Lisboa, que tomará posse daqui a uma semana e sob cuja orientação pastoral exercerão o seu ministério sacerdotal, como membros do presbitério a que ele presidirá. Decidiu ele e nós aceitámos, que se seguisse a normalidade da programação pastoral da Diocese. Isso ajudar-vos-á, queridos ordinandos, a não fazerdes da relação com o vosso Bispo apenas uma relação humana, à pessoa, mas ao ministério apostólico, que hoje ainda eu, amanhã ele, exercemos na Igreja de Lisboa. Os Apóstolos, de modo particular Pedro e Paulo, preocuparam-se que este ministério apostólico, alicerce da autenticidade da Igreja, não ficasse prisioneiro das suas pessoas, da sua história, da maneira como foram Apóstolos. Preocuparam-se em garantir sucessores no ministério, tantas vezes ainda em sua vida, na consciência de que o ministério apostólico é maior do que as suas pessoas e a sua história, é fidelidade a Jesus Cristo e garantia da perenidade da Igreja.
2. Quando há 42 anos o Senhor D. António Ribeiro sucedeu ao Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, este, na homilia da tomada de posse do seu sucessor, dirigindo-se aos seus diocesanos, afirmou, evocando a afirmação de João Baptista em relação a Jesus, o Messias, que iniciava a sua missão pública: “É preciso que ele cresça e eu diminua”. Neste momento exprimo a atitude aí enunciada com outras palavras: o Senhor D. Manuel, novo Patriarca, e eu próprio, só desejamos uma coisa: que a Igreja de Lisboa cresça, se consolide como povo crente, que quer ser no meio da nossa sociedade um testemunho da esperança, da visão da vida como ela brota da sua união a Cristo. E para esse fortalecimento da Igreja de Lisboa ambos queremos contribuir, cada um na verdade do sacerdócio apostólico, cuja plenitude ambos recebemos, e das circunstâncias concretas da missão recebida. Ambos amamos bastante esta Igreja para tudo fazermos, na verdade das nossas vidas, para que ela cresça na verdade e na fidelidade, até ao dia em que nos seja dada a coroa de justiça que o Senhor tem reservada para todos aqueles que gastaram a vida ao serviço da sua Igreja. Essa esperança fortaleceu Paulo quando sentiu que a sua missão humana chegava ao fim, um fim que é um princípio, porque compete também aos Apóstolos e seus sucessores exprimirem nas suas vidas esta relação viva da Igreja peregrina com a Igreja triunfante.
3. Queridos ordinandos, irmãos e irmãs, na intensidade dos nossos sentimentos presentes demos hoje prioridade à confissão da fé da Igreja: “Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica”. Como acontece com as virtudes da fé, da esperança e da caridade, cada uma destas notas constitutivas da Igreja só são possíveis se incluírem todas as outras. A Igreja só será una se for santa, só será católica se for apostólica.
Há uma relação intrínseca entre unidade e apostolicidade da Igreja. E a expressão sacramental da apostolicidade é, na Igreja particular, o ministério do Bispo, sucessor dos Apóstolos, ministério em que, aqueles que o exercem, são mais do que as suas qualidade e características pessoais. Eles exprimem e garantem, desde o início, a unidade da Igreja. Unidade da mesma fé, recebida dos Apóstolos de Jesus. Eles garantem, na sua missão, que a nossa fé seja sempre a fé da Igreja, de toda a Igreja como povo crente e não a expressão da maneira individual de acreditar. A confissão da fé da Igreja exige tanta renúncia, tanta humildade da inteligência, tanto sentido de corpo e de comunhão. Queridos ordinandos, como membros do presbitério, o vosso ministério exige esta grandeza de horizonte, de que a união ao vosso Bispo é a garantia, quando celebrais, quando anunciais o Evangelho, quando orientais as consciências nas dificuldades concretas com que os cristãos se deparam. Em tudo o vosso ministério é um serviço da fé da Igreja.
Numa Igreja particular, como a nossa querida Igreja de Lisboa, esta unidade da fé está ligada à comunhão apostólica do Colégio Episcopal, a que preside o Bispo de Roma, o Pastor de toda a Igreja. É ele que marca o ritmo da apostolicidade e da unidade. Também nele o ministério que recebeu é infinitamente mais do que a sua pessoa. A nossa união ao Papa é expressão da apostolicidade e da unidade.
Na minha longa vida de ministério sacerdotal cultivei sempre esta união ao Sucessor de Pedro. A sua palavra ensinou-me o caminho da fé e da verdade e, por vezes, levou-me a corrigir perspectivas pessoais na compreensão da complexa realidade cristã.
Hoje louvo o Senhor pela grandeza dos Papas da minha vida, pela sua santidade, pela riqueza do seu Magistério, pela atenção aos sinais dos tempos não hesitando inovar quando a verdade da história o exigia, inovar na fidelidade à fé recebida dos Apóstolos. O Magistério dos Papas foi farol a guiar a Igreja na evolução do tempo, numa expressão dupla de fidelidade: à fé dos Apóstolos e às vozes profundas da humanidade, mostrando à Igreja as aberturas do coração humano à surpresa do amor de Cristo, Bom Pastor, que é de ontem, de hoje e de sempre; à surpresa, essa muito grande, do Espírito Santo, o amor personalizado e que garante à Igreja que na sua busca da actualidade da mensagem, nunca se desviará da fé apostólica.
Neste momento da minha vida, em que deixo o ministério de Bispo diocesano, mas não deixo o Colégio Apostólico e de partilhar a responsabilidade de garantir que a Igreja será fiel à apostolicidade, vai a minha expressão de fé e de caridade fraterna para com o actual Bispo de Roma, o Papa Francisco. E na comunhão com ele, exprimo a minha gratidão por todos os Papas da minha vida sacerdotal, que muito me ajudaram a manter sempre viva esta consciência da fé da Igreja, apesar das minhas fragilidades. Acolho, com coração humilde, tudo o que o Papa Francisco decidir a meu respeito, aceito tudo o que me pedir, e ofereço-lhe a ele, e através dele à Igreja, o silêncio da minha oração, a busca da contemplação, a procura contínua da verdade.
† José Cardeal da Cruz Policarpo
Administrador Apostólico do Patriarcado
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