Inesperada e surpreendentemente parece ter-se criado uma unanimidade entre ateus, prémios Nobel, dissidentes, hereges,
jornalistas não católicos, e comentadores públicos de que a decisão do
Papa Bento XVI é absolutamente certa, insusceptível de qualquer erro. É
caso para dizer, que são "mais papistas que o Papa". De facto, nunca a
Igreja ou qualquer Pontífice afirmou, nem mesmo aventou, que o Carisma
da Infabilidade se aplicava a decisões pessoais, ou de governo, ou
prudenciais. Temos pois que aqueles que negam ferozmente que a
Infabilidade de Deus, do Espírito Santo, se possa comunicar ao Santo
Padre em determinadas e precisas circunstâncias, aclamam agora a lucidez
"infalível" nesta questão prevista pelo Direito Canónico. É verdade que
eles não recorrem ao termo mas, quanto a mim, dizem-no de outra
maneira. Será preciso recordar as constantes agressões, sem dó nem
piedade, a que a sua pessoa e o seu Magistério foram sujeitos? Como
explicar então esta rendição moralmente unânime, daqueles que mencionei,
em relação à sua renúncia? Na verdade, a decisão que o Santo Padre
tomou pode ser livremente discutida, e dela se pode discordar, sem que
isso implique qualquer infidelidade, ilicitude ou imoralidade, por
qualquer fiel católico, desde um leigo empenhado a um Cardeal, amigo pessoal e fiel seguidor de Bento XVI.
Parece haver aqui uma estratégia de condicionar as mentalidades de modo
a "forçar" que de agora em diante seja sempre assim, que se torne
obrigatória a renúncia ou abdicação dos próximos Pontífices Supremos em
circunstâncias semelhantes. Não nego que o exemplo possa fazer escola,
mas não vejo que tenha de ser necessariamente assim.
Como
já escrevi, a enorme tristeza por esta renúncia transformou-se, em mim,
numa alegria desmesurada, embora sofrida e magoada, em virtude da minha
convicção profunda, que neste caso se cumpre a vontade de Deus. Não há
nenhuma dúvida de que o Papa Bento XVI, que goza de uma consciência
muitíssimo bem formada, na sua oração discerniu, pelas luzes que
recebeu, que no seu caso, tendo em conta a forma e as responsabilidades
que assumiu nos dias de hoje o ministério do sucessor de Pedro, vigário
de Cristo na terra, e concluiu que deveria abdicar desse mesmo
ministério. Esta convicção fundamente enraizada não é, no entanto,
infalível. O Romano Pontífice pode errar, estando embora de boa-fé. Se
for esse o caso, o que pessoalmente não acredito, não será, nem por
sombras condenado, pois fez tudo o que estava ao seu alcance para
conhecer a vontade de Deus e a pôr em prática. O mesmo se pode e deve
dizer do Bem-aventurado João Paulo II que, em circunstâncias
semelhantes, no seu caso, percebeu que Jesus Cristo lhe pedia que
ficasse até ao fim, até à Passagem para a eternidade. Deus pode ter
querido mostrar à Igreja e ao mundo que a cruz de cada um se pode unir à
Sua de modos muito distintos.
Pessoalmente,
creio que a unanimidade prática de respeito e elogio da abdicação de
Bento XVI não se deveu somente à lisonja nem obedeceu simplesmente a
estratégias inconfessáveis mas resultou da sua alta santidade, da sua
grandíssima humildade, da sua Fé desmedida, do seu imenso amor a Jesus
Cristo, da enorme simplicidade e da normalidade com que se comunicou e
de tudo tratou, tocando assim os corações no seu âmago. Este acto, ou
sucessão de actos, na minha perspectiva, constituiu uma pregação
vivíssima que abalou e comoveu intimamente não só os Fiéis Leigos, os
Religiosos, Consagrados, Sacerdotes, Bispos e Missionários mas também os
próprios Cardeais, e os aproximou, e os recentrou no essencial, em
Jesus Cristo, o Coração ou núcleo mais profundo da Igreja. A santa
unidade em Cristo Jesus suscitada por esta Renúncia de amor, que pôs,
comovida, toda a Igreja em oração alcançará seguramente a Graça de um
novo Papa do agrado do Senhor, segundo o Seu Coração, que se deixe em
tudo guiar por Ele.
É
possível que um dos motivos que levou o Santo Padre à renúncia do seu
ministério, enquanto está ainda capaz, não obstante as grandes
limitações, tenha sido o de evitar, no caso de ficar totalmente
incapacitado, que se pudessem vir a levantar suspeitas, intrigas,
atoardas, "guerrilhas" sobre a veracidade do seu estado de saúde e das
reais motivações que levariam à declaração da sua abdicação, isto, caso,
é claro, tivesse deixado, a exemplo de seus antecessores mais próximos,
uma carta nesse sentido. O suculentíssimo Magistério que neste breve
Pontificado o Papa Bento XVI nos deixou é de uma grandeza teológica e
espiritual comparável à de um Santo Agostinho – seria muito importante
tornar a ler e a reler as suas encíclicas, homilias, catequeses,
discursos, etc., e ainda os seus escritos anteriores à sua elevação ao
Papado. A influência que exerceu e que recebeu do Papa João Paulo II é
um tema fascinante que mereceria estudos muito vastos e aprofundados.
Estes dois gigantes da Igreja poderão porventura vir a ser irmanados na
história da mesma de um modo semelhante ao de S. Basílio e S. Gregório.
Uma
vez que esta manhã diante dos Cardeais o Papa Bento XVI prometeu
reverência e obediência incondicional ao próximo Pontífice, espero bem
que este o exorte a continuar a enriquecer-nos com os seus escritos
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