"Interiorizar... para depois extravasar de alegria", por Cláudia Pereira, de Apostolado de Oração
Depois da folia dos festejos carnavalescos, chega um dos momentos mais marcantes para a vida dos cristãos. A Quaresma tem um significado e uma importância vitais e deve ser assumida nesse sentido e não apenas como uma sequência de «dias obscuros», cinzentos, em que somos «obrigados» a privar-nos de determinados hábitos ou exageros.
Liturgicamente, o período que nos leva até à Páscoa é particularmente marcante e os cristãos devem saber aproveitá-lo devidamente, interiorizando as mensagens transmitidas ao longos destes dias, para vivenciarem o Domingo da Ressurreição com um espírito renovado.
Não são meros rituais, que cumprimos por tradição. Se participarmos na Missa de Quarta-Feira de Cinzas, com a imposição das mesmas sobre a nossa cabeça, se interiorizarmos e vivermos intensamente os valores e práticas destes 40 dias, como o jejum, a esmola e a oração, se participarmos na Missa da Ceia do Senhor, em Quinta-Feira Santa, na Celebração da Paixão do Senhor, em Sexta-Feira Santa, e na Solene Vigília Pascal, veremos que o Domingo de Páscoa terá outro sabor.
Na sua Mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Bento XVI refere que «a Igreja, nos textos evangélicos dos domingos de Quaresma» – que relatam as tentações de Jesus, a Transfiguração do Senhor, o episódio da Samaritana, a cura do cego de nascença e a ressurreição de Lázaro – nos guia «para um encontro particularmente intenso com o Senhor, fazendo-nos repercorrer as etapas do caminho da iniciação cristã».
«Através das práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, expressões do empenho de conversão, a Quaresma educa para viver de modo cada vez mais radical o amor de Cristo».
É verdade que a Quaresma nos convida a um estilo de vida mais sóbrio, à simplicidade por exemplo em algumas refeições, à abstinência de carne em determinados dias, ao jejum, renunciando a alguns alimentos.
A propósito do jejum, o Santo Padre lembra que, «tornando mais pobre a nossa mesa, aprendemos a superar o egoísmo para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso “eu”, para descobrir Alguém ao nosso lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos».
Outra tónica dominante destes 40 dias, que recordam os 40 dias que Jesus passou no deserto, em oração, é a esmola. Se a esmola e a partilha fazem sentido ao longo de todo o ano, neste período elas assumem particular relevo. Importa, no entanto, interiorizar o verdadeiro significado da esmola: abdicar de algo que nos pertence e, quem sabe, nos faz falta (não interessa tanto dar do que nos sobra) e entregá-lo a quem mais precisa.
Diz Bento XVI que «a prática da esmola é uma chamada à primazia de Deus e à atenção para com o próximo, para redescobrir o nosso Pai bom e receber a sua misericórdia».
Atitude particularmente marcante deste período é a oração. Se ela já faz parte do nosso dia-a-dia, porque não intensificá-la e dar-lhe um toque diferente durante este tempo de interioridade? Porque não valorizar ainda mais os momentos de oração em família, que a todos enriquecem e unem? Porque não participar em momentos de oração em comunidade, nomeadamente na Via-Sacra, porque a fé também se vive aí?
Meditando e interiorizando a Palavra de Deus que, na Quaresma, a Igreja nos oferece «com particular abundância», «aprendemos uma forma preciosa e insubstituível de oração, porque a escuta atenta de Deus, que continua a falar ao nosso coração, alimenta o caminho de fé que iniciámos no dia do Baptismo».
Mas de que nos valem esses comportamentos exteriores – jejum, esmola e oração – se interiormente o nosso coração não muda, se não vivemos e interiorizamos a mensagem litúrgica transmitida, se não temos um gesto de amor e de partilha para com aqueles que mais precisam, se, passados esses dias em que até cumprimos alguns preceitos e tradições, continuamos a ter exactamente as mesmas atitudes?
«O período quaresmal é momento favorável para reconhecer a nossa debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a Graça renovadora do Sacramento da Penitência e caminhar com decisão para Cristo», adianta o Santo Padre.
Por isso, importa interiorizar... devidamente... para depois extravasar de alegria.
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