segunda-feira, 8 de julho de 2013

Papa Francisco insurge-se contra a indiferença diante da pobreza e da morte | Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

Papa Francisco insurge-se contra a indiferença diante da pobreza e da morte | Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

Homilia de D. Manuel Clemente, na Missa de entrada no Patriarcado de Lisboa

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  Foto: Patriarcado de Lisboa  
Reedificar na paz a cidade de todos


1.Ação de graças
Caríssimos irmãos e estimados amigos:
Ao começar o ministério de que o Santo Padre Francisco me incumbiu no Patriarcado, o meu primeiro sentimento só pode ser de ação de graças a Deus, que assinala a sua presença nas nossas vidas decalcando-as no trilho pascal que Jesus Cristo unicamente abriu. É altura de retomar na Igreja de Lisboa o que nela comecei a viver há seis décadas e meia, do âmbito familiar ao paroquial e do paroquial ao diocesano, com tantos exemplos e estímulos de leigos, consagrados e clérigos que a minha memória evoca agradecida. Destaco de entre eles os meus três sucessivos Patriarcas, os Cardeais Cerejeira, Ribeiro e Policarpo, nos quais pude divisar o rosto paternal de Deus e o cuidado pastoral de Cristo. Ao Senhor D. José Policarpo, reafirmo a muita gratidão pela amizade com que sempre me acompanhou, bem como pela lucidez e generosidade do seu serviço eclesial, dentro e além do Patriarcado. Sei que posso contar com a sua oração e conselho, para o trabalho que agora inicio.
Nesta evocação, não poderia faltar a Igreja Portucalense, de cujo serviço episcopal me ocupei nos últimos anos. Foram muitos e muitíssimos os testemunhos que lá colhi de dedicação a Deus e ao próximo, tanto na quadrícula diocesano-paroquial como nos institutos de vida consagrada, movimentos e associações de fiéis, ou em centenas de instituições sociocaritativas e outras, com generosidade reforçada pelas atuais dificuldades da sociedade portuguesa e especialmente nortenha. Norte que, aliás, bem nos pode inspirar a todos, pela capacidade de resistir, recomeçar e inovar, que a sua população reiteradamente demonstra, em muitos dos seus intervenientes sociais, económicos e culturais. Nunca poderei agradecer devidamente o apoio e o carinho com que sempre fui acompanhado pela Diocese do Porto e o seu magnífico povo, bem como pelas respetivas instituições públicas e privadas. Quero, ainda assim, destacar a grande comunhão eclesial que sempre encontrei nos órgãos coletivos da pastoral diocesana e, acima de tudo, nos caríssimos Bispos Auxiliares e demais membros do Conselho Episcopal. Como tudo na Igreja de Cristo, só em comunhão se serve a comunhão: assim foi no Porto, como assim é e será em Lisboa.

2. Comunidades de acolhimento e missão
Importa insistir neste ponto e à luz do Evangelho que ouvimos: «Naquele tempo designou o Senhor setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. E dizia-lhes: “[…] Quando entrardes nalguma cidade dizei primeiro: ‘Paz a esta casa!’”»
Jesus envia os seus discípulos a todas as cidades e lugares aonde ele mesmo havia de ir. Este envio define permanentemente a Igreja e legitima-a como “cristã”, participando da missão de Cristo, que “por nós homens e para nossa salvação desceu dos Céus”. Ou, como lhe ouvimos dizer no quarto Evangelho, dirigindo-se ao Pai: «Assim como Tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo» (Jo 17, 18). Enviada a todas as cidades e lugares onde Cristo quer chegar, é função da Igreja abrir caminho a tudo o que assinala a sua vinda, superando egoísmos com partilhas e transformado solidões em convivências.
 Mas, falando de Igreja, falamos de comunidade e não de subjetivismos dispersos. Jesus envia-os “dois a dois”, como já aos Doze Apóstolos os reunira em grupo. Também e apenas deste modo se pode falar de Igreja “cristã”, pois Cristo nada faz essencialmente sem o Pai, ou eclesialmente o quer fazer sem os discípulos. Ensina-nos mesmo que, em Deus, a unidade é comunhão, quando prossegue: «Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão de crer em mim, por meio da sua palavra, para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste» (Jo 17, 20-21).    
A Igreja não existe para si mesma. No Espírito de Cristo, existe para Deus Pai em permanente ação de graças e para o mundo em constante serviço. O que não se inclui neste duplo e coincidente movimento está a mais e exige conversão. O mundo, este nosso mundo de hoje em dia, precisa urgentemente de comunidades de acolhimento e missão.
Não sendo este um momento de detalhes programáticos, adianto, ainda assim, o que me parece mais óbvio: a Igreja de Lisboa seguirá as indicações do Sínodo dos Bispos, na sua Mensagem de outubro último, e da Conferência Episcopal Portuguesa, na sua Nota Pastoral de 11 de abril, que visa “promover a renovação da pastoral da Igreja em Portugal”. Tiraremos certamente daqui plano e programa que baste para os próximos tempos e na maior correspondência ao que o nosso povo espera da Igreja, dentro ou mesmo fora das fronteiras da crença. Permito-me mesmo sugerir aos meus irmãos do Patriarcado de Lisboa que tenham muito presentes os referidos documentos, na preparação do próximo ano pastoral a todos os níveis da Diocese e das comunidades, institutos, movimentos e associações. O Senhor envia-nos “dois a dois” e só em comunhão devemos trabalhar.
Diz-nos o texto sinodal: «É necessário criar comunidades acolhedoras, onde todos os marginalizados encontrem a sua casa, realizar experiências concretas de comunhão que, com a força ardente do amor […], atraiam o olhar desencantado da humanidade contemporânea» (Mensagem, nº 3). Comunidades que coletivamente o sejam, quer para acolher, quer procurando quem ainda não chegou, adianta mais à frente: «A obra da evangelização não é tarefa de alguns na Igreja, mas de comunidades eclesiais enquanto tais, onde se tem acesso à plenitude dos instrumentos do encontro com Jesus: a Palavra, os sacramentos, a comunhão fraterna, o serviço da caridade, a missão» (Mensagem, nº 8).
O Papa Francisco tem insistido repetidamente neste ponto, nos seus preenchidos meses de luminoso pontificado. E que importante é e será, que nas nossas comunidades todos possam encontrar sempre um “sim” à pessoa que são, mesmo quando não devamos conceder o que imediatamente nos peçam. Ainda aí imitaremos Cristo, que tanto evidenciava a misericórdia divina como não escondia a exigência evangélica, quer acolhendo quem vinha, quer propondo sempre mais e melhor, mesmo que difícil.

3. A consequência sociocultural do Evangelho
Nesta linha geral, a Mensagem do Sínodo dos Bispos dá-nos várias indicações, absolutamente a reter. Lembro apenas mais uma, aliás muito realçada nas recentes Jornadas Pastorais do Episcopado: «O gesto da caridade, por sua vez, exige ser acompanhado pelo empenho em favor da justiça, com um apelo que a todos envolve, pobres e ricos. Daí também a inserção da doutrina social da Igreja nos percursos da nova evangelização e o cuidado pela formação dos cristãos que se empenham em servir a convivência humana na vida social e política» (Mensagem, nº 12).
São muitas e globais, de facto, as consequências socioculturais do Evangelho, quer na concretização comunitária quer na aplicação social. Com a difusão do cristianismo e a sua feliz coincidência com as aspirações de tantas sabedorias e credos, foram pouco a pouco germinando sementes de vida, civilização e cultura de que não podemos abdicar sem pôr em risco a própria humanidade de nós todos: a dignidade da pessoa humana, na variedade enriquecida de raças e povos e sempre protegida e promovida da conceção à morte natural de cada um; a verdade familiar, na complementaridade homem-mulher, na geração e educação dos filhos e na entreajuda entre mais novos e mais velhos; uma visão desmitificada e responsável do conjunto da criação, que assim mesmo abriu espaço à ciência e ao autêntico desenvolvimento; a valorização do trabalho, como meio de realização pessoal e social de cada ser humano, sempre a garantir neste sentido; a distinção entre “Deus e César”, que abriu caminho à laicidade positiva das instituições políticas e à liberdade religiosa dos cidadãos; e o reconhecimento teórico e prático de quatro princípios indispensáveis a qualquer sociedade que se queira justa e realmente livre: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 160).
Nos tempos que vivemos, quase para nos refazermos como sociedade reencontrada, os cristãos têm de oferecer a todos, crentes ou não crentes, o que recebem de Deus, como luz penetrante, verdade verificada e caridade plena. Com simplicidade, como São Pedro ensinava aos que viviam numa sociedade ainda por evangelizar: «No íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça; com mansidão e respeito, mantende limpa a consciência...» (1 Pe 3, 15-16). Tanto mais que, diante da complexidade dos problemas, as respostas nem sempre são fáceis, exigindo abertura, esclarecimento e estudo; e os que não concordam hoje connosco, poderão fazê-lo mais à frente, em caminhos necessariamente comuns. Como o próprio nome indica, a concórdia começa nos corações, quando ninguém desiste de ninguém, seja em que campo for.

4. Rumos a seguir
Concluo, caríssimos irmãos e estimados amigos, aludindo à referida Nota pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, visando promover a renovação da pastoral da Igreja em Portugal. Indica-nos ela sete oportunos “rumos”, dos quais destaco os três primeiros: O primado da graça, «sabendo todos bem, pastores e fiéis leigos, que o essencial da vivência cristã e dos frutos pastorais na vida da comunidade não depende tanto do nosso esforço de programação e da multiplicação dos nossos passos e afazeres, mas sobretudo da transformação da nossa mente e da conversão do nosso coração, operadas pela ação da graça de Jesus Cristo»; a comunhão para a missão, requerendo «comunidades que sejam autênticas escolas de vivência da fé e da comunhão, gerando entre todos os seus membros laços de fidelidade, de proximidade e de confiança, que se traduzam no serviço humilde da caridade fraterna»; e a missão generalizada, «como empenho da comunidade toda e de todos seus membros».
Falando de graça, comunhão e missão, imediatamente pensaremos n’Aquela em que tudo se realizou primeiro, no acolhimento e oferta de Jesus Cristo ao mundo. Retomemos o exemplo de Santa Maria, que em Nazaré acolheu em si mesma e em Belém ofereceu a todos o Verbo de Deus incarnado. - Lembrai-nos sempre, ó Mãe de Cristo e da Igreja, que isso mesmo havemos de ser: pleno acolhimento de Cristo e missão permanente no mundo, para reedificar na paz a cidade de todos!  

+ Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa
Santa Maria de Belém, 7 de julho de 2013

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Ouvir, ver e estar perto vão ser as primeiras ações de D. Manuel Clemente como Patriarca de Lisboa. No dia em que entra solenemente na Diocese de Lisboa, o Jornal VOZ DA VERDADE publica uma grande entrevista ao 17º Patriarca de Lisboa, que considera regressar transformado, após mais de seis anos como Bispo do Porto. Ao longo de oito páginas, D. Manuel Clemente garante que a experiência na comunidade cristã é insubstituível e define a evangelização como uma iniciação comunitária.

Foi nomeado Patriarca de Lisboa, pelo Papa Francisco, no passado dia 18 de maio. Como acolheu a nomeação do Santo Padre?
Acolhia-a com a naturalidade possível! Eu tenho dito isso, e corresponde à verdade. A última coisa que eu propriamente pedi foi para ser padre. Vinte anos depois, em 1999, o Papa João Paulo II nomeou-me para ser Auxiliar do Senhor D. José Policarpo, e fui Bispo Auxiliar durante sete anos; depois o Papa Bento XVI nomeou-me para o Porto, em 2007; agora o Papa Francisco nomeia-me para Lisboa. Tentamos permanecer como somos, disponíveis! Eu cada vez levo mais a sério – e costumo repetir isto porque acho que faz bem aos outros ouvirem – que é mesmo para levar a sério aquilo que Jesus diz e manda no Evangelho de São Mateus 6, 34: ‘Não vos preocupeis com o dia de amanhã, basta a cada dia a sua preocupação’. De maneira que me parece que é também um exercício de realismo. A Igreja é que nos pede, a Igreja escolhe! Isso também nos dá uma grande margem de liberdade interior. A gente faz o que pode; agora se fossemos nós a escolher ficávamos um pouco mais presos com a própria escolha. Assim, é a Igreja que escolhe, vamos e fazemos o que podemos e sabemos. Como diz o povo e bem: ‘Quem dá o que tem, a mais não é obrigado!’.

Quando foi conhecido o nome do Senhor D. Manuel para Patriarca de Lisboa, percebeu-se consenso na Igreja e na sociedade civil. Sente que esta unanimidade de opiniões pode trazer maior responsabilidade à sua nova missão?
Se eu pensasse muito nisso, era! Mas como referi, tenho pouco esse tipo de preocupações. Vou fazendo o melhor que posso, em cada momento, e depois se desiludir alguém, tenho pena; se outros ficarem contentes, graças a Deus!

Com esta nomeação regressa à sua diocese de origem, de onde saiu em 2007 para o Porto. Nestes seis anos que esteve longe de Lisboa, pôde acompanhar a vida do Patriarcado?
Sinceramente, acompanhei muito pouco. E a razão principal foi porque a Diocese do Porto preenche qualquer um que a sirva. A Diocese do Porto é uma realidade tão densa, tão forte – basta dizer que só o número de paróquias é quase quinhentas! E depois tem muitas instituições da Igreja, com vários tipos de ligação; muita ação sociocaritativa, em centros sociais, conferências vicentinas, misericórdias… Depois é uma diocese com muitas iniciativas culturais, porque pedem constantemente a participação de um Bispo. Nesse sentido, notei alguma diferença em relação a Lisboa, onde os meios seculares e os meios religiosos estão mais distintos; no Porto não. Eu cheguei a ir a locais onde em princípio não seria convidado a ir. Estou a lembrar-me, por exemplo, de centros republicanos e de outras instituições do género, que expressamente queriam o Bispo lá. Por isso, uma realidade como o Porto não dava para pensar em muito mais!

Foi importante a experiência pastoral como Bispo do Porto?
Foi muito importante! Também tenho dito, e insisto agora, eu não vou regressar a Lisboa como parti para o Porto. Vou regressar com mais de seis anos cheios de uma experiência eclesial e social fortíssima, que me transformou! Nesse sentido, ainda mais presente à sociedade, à cultura, porque as pessoas pedem e é importante estar lá!

Sente que é um ‘regresso a casa’?
Acaba sempre por ser! A ‘nossa casa’ começa por ser a da infância e a da adolescência. Depois, vamos passando por outras casas, mas o essencial está determinado, na maior parte dos casos. A Diocese de Lisboa – até pelo meu trabalho e a minha atividade, mesmo como jovem e ainda antes de ser seminarista, lá no escutismo do Oeste e depois como Bispo Auxiliar, quer na Região Pastoral do Oeste, quer na Região da Cidade – não deve ter um quilómetro quadrado onde eu não tenha passado! Onde aquelas casas, aquelas igrejas, aquelas árvores, aqueles caminhos não me digam qualquer coisa! Foi uma vida tão absorvida, que tudo quanto vá de Lisboa a Alcobaça está cá dentro!

O Senhor D. Manuel é natural de Torres Vedras. Como foi a sua educação cristã?
Foi muito simples e, utilizo outra vez a palavra, natural. Eu nasci numa família cristã, a minha mãe tinha sido catequista e voltou a sê-lo quando enviuvou e enchia a casa de catequese, sem nenhuma pieguice, com muita verdade, com muita certeza. As referências que eu tenho de Cristo, de Nossa Senhora, de Igreja são de origem! Não me lembro de nenhuma época da vida em que isto não tenha sido presente e forte.
Depois o ambiente paroquial. É preciso ver que a minha infância não tem televisão! Portanto, eu conhecia aquilo que me era apresentado diretamente. O que se fixa é o experiencial, direto! A passagem de casa para a comunidade cristã, concretamente para a paróquia de Torres Vedras, também foi muito bonita, porque era uma paróquia muito envolvente, toda a gente se conhecia. Tínhamos catequese na igreja, encostados aos altares laterais, e depois seguia-se a Missa, que era em latim, mas que depois lá nos explicavam. No final, vínhamos cá para fora brincar. Depois foram as récitas da catequese, a Primeira Comunhão, a Profissão de Fé… tudo era muito preenchido e o ano passava-se a correr! Embora, naquela altura, demorasse mais do que demora hoje. Digamos que foi uma absorção cristã que me fez acentuar muito a importância da experiência comunitária, que é insubstituível. Porque o cristianismo, de certa maneira, absorve, é assim um ar que se respira. É por isso que o cristianismo também é uma cultura! Também não é por acaso que nós abrimos o Evangelho e Jesus quando começa a proclamar o Evangelho cria a comunidade. É contemporâneo, é uma coisa da outra! O que é a evangelização se não uma iniciação comunitária? Sendo Deus, o próprio Deus, uma comunidade de amor!

Licenciou-se em História e só depois, em 1973, com 25 anos, entrou no seminário. De que forma Deus o inquietou?
Deus inquietou-me porque estava cá sempre! Também nesse aspeto vem à mente a palavra natural. Mesmo até a própria opção celibatária. Claro que quando eu era adolescente e quando era jovem, muitas vezes pensava em constituir uma família, ter uma profissão – ainda me lembro que quando estava na Faculdade de Letras o meu projeto era casar, ter muitos filhos, ter vida autárquica, porque já naquela altura achava interessante, ser professor de História com muitas atividades circum-escolares à mistura. Era assim, mais ou menos, o meu projeto de vida! Mas o que acontece é que o envolvimento em atividades de Igreja, digamos assim, era muito forte! Nesses anos, sobretudo no campo do escutismo, porque entre os 15 e os 25 anos o que eu fui foi escuteiro, o resto também ia fazendo, mas era quase um full time. Até porque nessa altura se lançou o escutismo do Oeste, a partir do agrupamento de Torres Vedras e do Seminário de Penafirme, e todos os fins-de-semana eram para andar para baixo e para cima, entre Alcobaça, Caldas e Lourinhã!
A pouco e pouco, a vida da Igreja e a dedicação a atividades apostólicas foi prevalecendo. Quando chego ao fim do curso, cá dentro já não havia espaço para mais nada! Nem sequer para construir uma família naturalmente e mesmo sacramentalmente. A minha família era a Igreja! E foi assim que as coisas acabaram por coincidir e não havia outro caminho se não o bater à porta da diocese e dizer: ‘Estou aqui!’.

Mas houve algum momento em que sentisse: ‘É por aqui!’?
Não, foi isto tudo! Eu não tenho uma Estrada de Damasco instantânea! Tenho a estrada toda!

Que memórias guarda do tempo de formação em seminário?
Muito boas! Nós eramos poucos: quando eu entrei para o seminário estavam lá oito e passámos a ser onze. Naquela casa, no Seminário dos Olivais, o chamado pavilhão B, onde está agora a Conferência Episcopal, já estava vazio, e nós concentrámo-nos todos num corredor do pavilhão A. Eu era o 12, e nunca tive outro quarto! Por isso, acontecia que nos dávamos muito de perto uns com os outros e sempre. De tal maneira que, quer no tempo de aulas, quer no tempo de Verão, fazíamos muitas coisas sempre em conjunto, em comum. Íamos para a Serra da Estrela – onde ainda hoje continuo a ir, quarenta anos depois! – e o tempo era todo passado em ambiente de Igreja, em atividades de Igreja. Também fizemos peregrinações, algumas até Roma, no fim do Ano Santo de 1975. São anos muito consistentes em tudo o que se fazia, quer nas aulas, quer no seminário, quer na iniciação pastoral nas paróquias, onde tínhamos atividades. Estava nessa altura a nascer a paróquia da Portela e eu sempre trabalhei com os adolescentes da Portela! Passou num instante, mas foi um tempo muito bom!

Recorda-se, certamente, do dia da sua ordenação, em 1979…
Claro! Foi num dia de semana, sexta-feira! Fui ordenado no dia 29 de junho, que é dia de São Pedro e São Paulo, ao fim da tarde, por ser dia da semana, na Sé de Lisboa. Foi um dia muito bonito! Fui só eu ordenado, os meus colegas de curso foram depois ordenados noutras alturas. Eramos três de Lisboa e dois de Santarém – um já está no Céu a assistir a esta nossa conversa!
Naquela altura, é preciso ver que os dias de ordenação tinham um relevo particular porque éramos muito poucos. Em toda a década de 70, ordenaram-se quinze padres para a Diocese de Lisboa! Em toda a década! Um já faleceu e foi meu colega Bispo, o Senhor D. Tomaz Silva Nunes; os outros, graças a Deus, estamos todos ao serviço!

Após a ordenação sacerdotal, esteve um ano como coadjutor em Torres Vedras e Runa…
Ainda passei um semestre em Roma, na Faculdade de História Eclesiástica, onde aprendi umas coisas que me foram muito úteis, sobretudo na metodologia do trabalho da história eclesiástica. Ao fim desse primeiro semestre voltei para Portugal e fui coadjutor de Torres Vedras e Runa até final desse ano pastoral. Depois nomearam-me para a equipa formadora do Seminário dos Olivais, onde fui prefeito, depois vice-reitor e reitor.

Durante esses anos nos Olivais contactou com muitos daqueles que vão ser seus colaboradores em Lisboa. O facto de os ter conhecido enquanto formador e como colega é importante para esta sua nova missão?
Claro que é muito importante! Porque temos um à vontade e, mais uma vez, uma naturalidade na relação que só se alcança com o tempo e com a convivência. Eles conhecem-me a mim, eu conheço-os a eles, tanto quanto nos vamos conhecendo, porque basicamente só Deus nos conhece! Há muita coisa que noutro sítio teria de começar de princípio, como aconteceu no Porto, e que aqui já está feita!

A 6 de novembro de 1999, então com 51 anos, o Senhor D. Manuel é nomeado Bispo Auxiliar de Lisboa. Esta nova missão permitiu-lhe estar mais perto das comunidades cristãs da diocese. Que recordações guarda desse tempo?
Tenho memórias muito boas e muito ricas para mim! As comunidades são muito distintas. Uma coisa são as comunidades do centro da cidade de Lisboa, outra são as dos vários bairros mais periféricos. Outra coisa são as de uma outra periferia que é tudo o que é novo e que ainda se está a organizar até em termos topográficos, de sedimentação das comunidades urbanas. Há medida que avançamos pelo Oeste, temos também outras comunidades.
O que importa, e o que foi crescendo nessa visita constante, nessa passagem pelas comunidades, foi a consciência de que nas comunidades cristãs está o Corpo de Cristo, como nós o podemos tocar. Há uma frase que o Papa Bento XVI retomou num dos seus textos, que é da antiguidade cristã, que diz o seguinte: quando nós falamos em Corpo de Cristo, falamos em três aceções – a primeira é o corpo humano que Jesus teve, nascido da Virgem Maria; a segunda é o corpo eucarístico, em que Ele quis ficar connosco no sacramento da Eucaristia, ‘tomai e comei isto é o meu Corpo’; e depois o corpo eclesial de Cristo, que Ele forma com aqueles que o comungam e que o apresentam no mundo. Ora, esta visita frequente às comunidades cristãs, apesar desta diferença que eu há pouco acentuei, mais sociológica, a experiência é essa, a experiência de estar no corpo de Cristo em cada comunidade cristã. Que cada comunidade cristã tenha consciência disso e por isso viva, como diz São Paulo aos Coríntios, cada um com o seu carisma e com o seu ministério, no conjunto, colaborando como um órgão, num grande organismo que é uma comunidade cristã, Corpo de Cristo. Isso é a riqueza da Igreja! É, digamos, a vida da Igreja, do que ela tem de essencial para depois oferecer ao mundo, também como participação e presença.

O que o preocupa na Igreja, hoje?
Há preocupações que são de sempre, que eu nem preciso sair de mim para as ter. Que é uma adesão cada vez mais sincera, convicta e real ao que Cristo me propõe. Isso é um programa imenso! Creio que todos nós ainda partiremos deste mundo com aquela dilaceração que São Paulo tinha: ‘Que infeliz homem que eu sou, o bem que eu quero não consigo, e o mal que eu não quero muitas vezes cai’. Portanto, esta consciência, esta dilaceração é fundamental. Quanto mais a Igreja mantiver viva a presença de Cristo e a exigência do Evangelho, mais se sente questionada. Como cristãos, nós estamos sempre diante de Cristo como estava Pedro! Quando Pedro reconhece que é Cristo, diz: ‘Senhor, afasta-te de mim, que eu sou um pobre pecador’. Esta consciência é fundamental! Eu costumo dizer em cada comunidade cristã para não se precipitarem, quando começa a Missa, porque o ato penitencial é mesmo para parar. Não é para dizer ou cantar e andar para a frente para o glória. Calma! Isto é fundamental: uma Igreja em permanente conversão, uma exigência constante, não presumir de si próprio, como Paulo, porque às vezes andamos bem, noutras vezes andamos muito mal, precisamo-nos de levantar, e que a Igreja seja um apelo e uma ocasião permanente de reabilitação e recomeço. Isso é fundamental. Portanto, isto ao nível mais íntimo.
Depois há algo que me preocupa, mas no sentido construtivo do termo. É que sendo a Igreja uma realidade essencialmente – não é acessoriamente – comunitária, a Igreja existe para que homens e mulheres de hoje participem na comunhão que Deus é, e isso só pode acontecer comungando uns com os outros, participando, integrando, não ficando ninguém de fora, preocupando-se positivamente uns com os outros. Isso exige estabilidade. Não pode ser apenas em certos momentos – também há ocasiões para isso, quando vamos a um encontro internacional, a Taizé, a Lourdes, a Roma, ao Rio de Janeiro, em que vimos de lá muito emocionados, mas isso tem o seu papel! Mas essencialmente a experiência comunitária é uma fidelidade àquele grupo! Uns são melhores, outros são piores, uns são velhos, outros são novos, uns têm saúde, outros estão doentes, uns são fáceis de aturar, outros são difíceis, mas são aqueles! É importante a persistência na comunidade, porque nós estamos hoje numa sociedade muito desarrumada. Eu costumo dizer que é a primeira sociedade que não sabe muito bem de que terra é… as pessoas gaguejam quando nós perguntamos de onde é que são! Porque realmente são de muitos sítios! Então, onde é que se fixam? Onde é que se faz a experiência comunitária? Isto leva-me a repetir – e outros dizem-no melhor do que eu – que o principal problema pastoral é talvez a reconfiguração comunitária. Como é que nós hoje vamos criar comunidades adequadas ao tempo em que se vive, com a dispersão que nós hoje temos, com o alibi mediático – que pode ser um alibi: as pessoas julgarem que por estarem virtualmente ligadas estão realmente ligadas, que não estão. Este é um problema e eu não tenho a solução no bolso. Eu julgo, aliás, que ninguém tem, porque estamos numa mudança epocal profunda. Nós não estamos na mesma época, nós estamos a mudar de época. Basta ver no campo da sociedade e da economia, e até da política internacional, os próprios comentadores e os próprios autores, têm mais perguntas do que respostas. Isto muda tanto, em termos de comunicação, e depois a comunicação também induz a ideias partilhadas. Em termos de cultura, isto não estabilizou e vai demorar muito tempo a estabilizar. Talvez demore menos tempo que noutras mudanças epocais, mas vai demorar algum tempo. Ora, como é que nós vamos afirmar, reafirmar e afinar a experiência comunitária nesta mudança epocal? Este é o grande desafio! E eu não tenho ilusões que posso estar no Patriarcado mais anos ou menos anos, mas hei-de ir para o outro mundo – como todos nós – com o problema por resolver. Mas alguma ajuda hei-de prestar…

O seu último livro intitula-se ‘O tempo pede uma Nova Evangelização’. De que forma pode ser feito esse novo anúncio?
O tempo que vivemos é este, e é indefinido. Quando queremos resolver um problema, a primeira coisa que podemos e devemos fazer é objetivá-lo. Mas esta mudança nós estamos nela; temos dificuldade em objetivar. Para onde é que isto vai? Como é que isto ‘poisa’, para nós recriarmos a comunidade cristã neste contexto, que é essencial ao próprio cristianismo? Mas o grande desafio é esse: que com as comunidades que entretanto tivermos ou conseguirmos construir, proporcionarmos aos nossos contemporâneos – e essa é que é a verdadeira iniciação cristã – uma autêntica imersão comunitária. Isso é fundamental! Dizem-me que nalguns países onde o cristianismo está hoje ainda nascente, e com muita pujança, concretamente no sudoeste asiático, que as comunidades vivem ao ritmo catecumenal. Como há sempre muitos adultos a entrar no cristianismo, isso não é um setor específico, um departamento, mas é a própria comunidade cristã, como nós encontramos nos textos dos séculos terceiro, quarto, quinto aqui na Europa, que vive ao ritmo da comunidade que inicia e que cresce com cada um que vem, que depois se integra e descobre a sua função no conjunto, quer como leigo, quer como consagrado, quer como clérigo. Isto é um enorme desafio… mas também é muito belo, porque é o cristianismo a acontecer!

O Senhor D. Manuel é caracterizado como sendo homem da cultura. Em entrevista por ocasião da visita de Bento XVI a Portugal, manifestou a necessidade de reequacionar a presença dos cristãos no mundo da cultura. Como é que isso poderá ser concretizado?
Numa atividade permanente de leitura, aprofundamento, debate, presença… isso é muito importante. Porque a cultura não é uma realidade passiva, é uma realidade ativa. A cultura não é termos uma estante cheia de livros, ou CD’s, ou de informação de outro tipo. Isso são meios, são repositórios. A cultura é um cultivo. Aliás, a primeira aceção até é agricultura: tratar da terra para que ela germine. A cultura do espírito, como também se diz, é um exercício permanente. É muito importante que nas comunidades cristãs, nas famílias cristãs, nos movimentos cristãos, se tenha em conta o que por aí vai de propostas, de debates, de criatividade nos vários domínios e tudo isso depois seja objeto de reflexão e de interpenetração da própria vida das comunidades, para que o culto e a cultura se enriqueçam mutuamente e para que nós saibamos responder e dar razões da nossa esperança, como diz um texto tão bonito do Novo Testamento, àqueles que nos perguntam. Portanto, esta atividade cultural é uma exigência! O culto é cultura!

Foi nomeado 17º Patriarca de Lisboa. O que diz a história acerca dos seus antecessores?
Houve patriarcados longos, como logo o primeiro! O de D. Tomás, que aliás também foi de Bispo do Porto para Patriarca de Lisboa. Houve também patriarcados muitos curtos, como um que eu estudei particularmente para a história dos patriarcas, que foi o Cardeal Saraiva. É uma longa série de Patriarcas, mas é muito interessante porque ela é significativa em cada Patriarca das várias épocas que se viveram em Lisboa e no país. Os Patriarcas do século XVIII, como D. Tomás de Almeida, até aos anos 20 do século XIX – porque como eles eram também predominantemente os capelães da corte – eram todos figuras da nobreza e viviam na Junqueira, perto do Palácio da Ajuda. Depois os Patriarcas que vêm a seguir ao liberalismo, a começar pelo D. Patrício, que era aliás de origem muito humilde, são Patriarcas já de outro tipo, são Patriarcas do constitucionalismo, em que a Igreja se integra dentro do Portugal constitucional, quase que uma parte eclesiástica da administração publica. São homens de outro perfil. Os Patriarcas a partir do Cardeal Mendes Belo, na sua fase pós 5 de Outubro, e depois o Cardeal Cerejeira, são Patriarcas eminentemente pastorais, ligados à vida da reconstrução da Igreja Católica em Portugal e no Patriarcado, que nessa altura era muito grande e envolvia o que é hoje Lisboa, Santarém e Setúbal e, até 1920, a parte sul do que é hoje a Diocese de Leiria. Portanto, eram sobretudo Patriarcas pastorais. Nós temos épocas distintas na história do Patriarcado e agora com os últimos Patriarcas, concretamente D. António Ribeiro e D. José Policarpo, entrámos já nestas épocas pós-modernas, em que é preciso que a Igreja se reidentifique como entidade propriamente pastoral e como consequência social e cultural.

Há algum Patriarca com quem se identifique particularmente?
Concretamente em relação a estes três Patriarcas que eu conheci, o Cardeal Cerejeira foi o Patriarca da minha infância, adolescência e juventude. Ele foi Patriarca até 1971, tinha eu já 23 anos. Portanto, toda a minha vida paroquial, e até nesses tempos de Acção Católica e do escutismo católico, é muito sob a égide do Cardeal Cerejeira, que era para nós uma referência muito grande. Para já, como pessoa, era apaixonante, era extremamente afectivo. Tive ocasião também de privar com ele, na sua casa de férias, porque era amigo de um sobrinho dele, e estive lá em Lousado. Era uma figura cativante, um homem muito inteligente, de grande sensibilidade, que viveu tempos difíceis numa situação muito complicada que era estar no centro do país naquelas épocas já de muita transição.
Depois o Cardeal Ribeiro, uma figura de uma grande contenção e muito certeiro nas suas manifestações e na sua presença. Teve um papel fundamental naqueles anos 70, que foram tão complicados em Lisboa, particularmente em torno do 25 de abril e do regime. Ele conseguiu dar, não só à Igreja de Lisboa mas também à Igreja do país, um papel de grande intervenção e serenidade na vida nacional e no encontro do seu melhor rumo – não nos podemos esquecer que foi ele ainda que no ano anterior à revolução fez a redação de um documento do episcopado, a Carta Pastoral nos dez anos da Pacem in Terris [Carta Encíclica do Papa João XXIII, publicada a 11 de Abril de 1963], onde nós podemos encontrar todo o programa de democratização do país. Eu chamo muito a atenção para isso, porque é um contributo notável do Cardeal Ribeiro, que depois foi nosso Patriarca até à sua morte, ainda com 69 anos. Sempre com grande rigor, era um homem com uma contenção activa! Também agia dessa maneira e marcava o ritmo e conseguiu dar rumo ao Patriarcado durante anos muito complicados.
O Senhor Cardeal Policarpo de certa maneira faz uma simbiose dos dois anteriores, porque tem a afectividade – então quem privou com ele sabe isso muito bem! –, a generosidade, o carinho e até por vezes a exuberância, que nós tínhamos no Cardeal Cerejeira; e também tem aquele pendor racional, intelectual e, quando é preciso, contido, como tinha o Cardeal Ribeiro. Todos eles me marcaram muito, com certeza.

Vai manter o seu lema episcopal, ‘In Lumine Tuo’ (‘Na Tua Luz’)?
O lema é tão bonito que não podia escolher outro! É um versículo daquele salmo tão bonito: ‘Na Tua Luz, Senhor, veremos a Luz’. Isso foi-me sugerido na circunstância do Jubileu do Ano 2000, em que fui ordenado Bispo, e é daí que nós vivemos, da luz de Cristo! E duma luz que esplende na Cruz! O que está no brasão é uma estrela de oito pontas – porque o oito significa a eternidade, é o que fica para além dos dias, é o oitavo dia –, mas que só esplende na Cruz! E é exactamente na adequação à Cruz de Jesus Cristo, portanto à Sua entrega ao Pai e ao homens, que brilha uma luz para todos, para a humanidade e com certeza para a Igreja.

De que forma o lema episcopal se tem concretizado na sua missão pastoral?
Tanto quanto eu me tenho adequado à Cruz, tem havido algum fulgor! Não há mais porque eu me adequo pouco!

Que ‘programa’, chamemos-lhe assim, tem para o pontificado que agora inicia?
O ‘programa’ – e vou dizê-lo certamente logo na homilia inicial – está muito facilitado, porque a Igreja tem um programa para cumprir. Tem o programa do Vaticano II, cinquenta anos depois, no que diz respeito ao seu autoentendimento como Igreja, como comunhão, para a unidade do mundo. A Igreja é um exercício de comunhão oferecido a um mundo que precisa de comunhão. Isto é o programa do Concílio, da Lumen Gentium e da Gaudium et Spes!
Mais perto de nós, temos a mensagem da última Assembleia do Sínodo dos Bispos, que é magnífica, e que de alguma maneira tem eco na Nota Pastoral que os bispos portugueses fizeram agora em abril [‘Promover a Renovação da Pastoral da Igreja em Portugal’], com os rumos para a pastoral nas dioceses portuguesas, e que de alguma maneira também se pode resumir em tornar a Igreja e as nossas comunidades em lugares de acolhimento e de missão!
Porque depois, quanto a programas mais concretos, 99% do programa das nossas comunidades está feito e é o de sempre: é acolher as pessoas, é proporcionar-lhes iniciação cristã, é acompanhar as famílias, é acompanhar os grupos, é estar presente na sociedade envolvente. Eu acho que até é um bocadinho abusivo estar a sobrecarregar aquilo que é o programa normal de qualquer comunidade cristã com mais programas por cima… o que é necessário é potenciar aquilo que nós temos que fazer!

A partir deste sábado, 6 de julho, quais vão ser as suas primeiras ações como Patriarca de Lisboa?
Ouvir, ver, estar perto. Como digo, em mais de seis anos de ausência, há muita coisa que permanece, mas há muita coisa também que evoluiu! Há muita gente nova que chegou – eu tenho reparado, porque é uma coisa que todos os bispos reparam, que é o número de ordenações, que foi muito considerável nestes anos. E também a integração de clero que veio de outras partes, e de diáconos! Há muita coisa nova que eu tenho que conhecer, também muita gente. Portanto, estes primeiros tempos vão ser para abeirar-me da realidade, porque a Igreja faz-se pela Igreja, não é nenhum Bispo que faz uma Igreja. Eu estou no centro de muita coisa, esse é que é o meu lugar. Portanto, ativar, aproximar, unir e potenciar aquilo que já está! Estes primeiros tempos vão servir para saber o que lá está!

No dia da sua nomeação, dirigiu uma saudação à diocese. Hoje, ao entrar solenemente no Patriarcado, que mensagem gostaria de deixar à Igreja de Lisboa?
Retomo o essencial do que lá está, dos sentimentos com que regresso, e depois aquilo que digo no fim, em “termos programáticos”, que é o sentimento de Jesus na sinagoga em Nazaré, e que hoje é particularmente urgente: eu hoje vim para anunciar a Boa Nova aos pobres. Nós temos pobrezas sempre, e algumas acrescidas devido ao estado actual da sociedade portuguesa, e temos problemas novos. Temos uma sociedade muito envelhecida, com gente muito só, a quem temos que atender. Temos gente muito dispersa exactamente por esse definhamento comunitário e social a que me referi. Gente que é preciso integrar e que é preciso ir procurar! Isto é o essencial! Portanto, eu gostaria que também comigo e com a Igreja toda, em Lisboa, nos abeirássemos das antigas e das novas pobrezas, numa atitude reforçada de presença e de companhia.

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