segunda-feira, 9 de abril de 2012

MENSAGEM URBI ET ORBI DO SANTO PADRE BENTO XVI

Domingo de Páscoa – 8 de Abril de 2012
 Amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro! «Surrexit Christus, spes mea – Ressuscitou Cristo, minha esperança» (Sequência Pascal). A todos vós chegue a voz jubilosa da Igreja, com as palavras que um antigo hino coloca nos lábios de Maria Madalena, a primeira que encontrou Jesus ressuscitado na manhã de Páscoa. Ela correu ao encontro dos outros discípulos e, emocionada, anunciou-lhes: «Vi o Senhor!» (Jo 20, 18). Hoje também nós, depois de termos atravessado o deserto da Quaresma e os dias dolorosos da Paixão, damos largas ao brado de vitória: «Ressuscitou! Ressuscitou verdadeiramente!» Todo o cristão revive a experiência de Maria de Magdala. É um encontro que muda a vida: o encontro como um Homem único, que nos faz sentir toda a bondade e a verdade de Deus, que nos liberta do mal, não de modo superficial e passageiro mas liberta-nos radicalmente, cura-nos completamente e restitui-nos a nossa dignidade. Eis o motivo por que Madalena chama Jesus «minha esperança»: porque foi Ele que a fez renascer, que lhe deu um futuro novo, uma vida boa, liberta do mal. «Cristo minha esperança» significa que todo o meu desejo de bem encontra n’Ele uma possibilidade de realização: com Ele, posso esperar que a minha vida se torne boa e seja plena, eterna, porque é o próprio Deus que Se aproximou até ao ponto de entrar na nossa humanidade. Entretanto Maria de Magdala, tal como os outros discípulos, teve de ver Jesus rejeitado pelos chefes do povo, preso, flagelado, condenado à morte e crucificado. Deve ter sido insuportável ver a Bondade em pessoa sujeita à maldade humana, a Verdade escarnecida pela mentira, a Misericórdia injuriada pela vingança. Com a morte de Jesus, parecia falir a esperança de quantos confiavam n’Ele. Mas esta fé nunca desfalece de todo: sobretudo no coração da Virgem Maria, a mãe de Jesus, a pequena chama continuou acesa e viva mesmo na escuridão da noite. A esperança, neste mundo, não pode deixar de contar com a dureza do mal. Não é apenas o muro da morte a criar-lhe dificuldade, mas também e mais ainda as aguilhoadas da inveja e do orgulho, da mentira e da violência. Jesus passou através desta trama mortal, para nos abrir a passagem para o Reino da vida. Houve um momento em que Jesus aparecia derrotado: as trevas invadiram a terra, o silêncio de Deus era total, a esperança parecia reduzida a uma palavra vã. Mas eis que, ao alvorecer do dia depois do sábado, encontram vazio o sepulcro. Depois Jesus manifesta-Se a Madalena, às outras mulheres, aos discípulos. A fé renasce mais viva e mais forte do que nunca, e já invencível porque fundada sobre uma experiência decisiva: «Morte e vida combateram, / mas o Príncipe da vida / reina vivo após a morte». Os sinais da ressurreição atestam a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio, da misericórdia sobre a vingança: «Vi o túmulo de Cristo, / redivivo e glorioso; / vi os Anjos que o atestam, / e a mortalha com as vestes». Amados irmãos e irmãs! Se Jesus ressuscitou, então – e só então – aconteceu algo de verdadeiramente novo, que muda a condição do homem e do mundo. Então Ele, Jesus, é alguém de quem nos podemos absolutamente fiar, confiando não apenas na sua mensagem mas n’Ele mesmo, porque o Ressuscitado não pertence ao passado, mas está presente e vivo hoje. Cristo é esperança e conforto de modo particular para as comunidades cristãs que mais são provadas com discriminações e perseguições por causa da fé. E, através da sua Igreja, está presente como força de esperança em cada situação humana de sofrimento e de injustiça. Cristo Ressuscitado dê esperança ao Médio Oriente, para que todas as componentes étnicas, culturais e religiosas daquele Região colaborem para o bem comum e o respeito dos direitos humanos. De forma particular cesse, na Síria, o derramamento de sangue e adopte-se, sem demora, o caminho do respeito, do diálogo e da reconciliação, como é vivo desejo também da comunidade internacional. Os numerosos prófugos, originários de lá e necessitados de assistência humanitária, possam encontrar o acolhimento e a solidariedade que mitiguem as suas penosas tribulações. Que a vitória pascal encoraje o povo iraquiano a não poupar esforços para avançar no caminho da estabilidade e do progresso. Na Terra Santa, israelitas e palestinos retomem, com coragem, o processo de paz. Vitorioso sobre o mal e sobre a morte, o Senhor sustente as comunidades cristãs do Continente Africano, conceda-lhes esperança para enfrentarem as dificuldades e torne-as obreiras de paz e artífices do progresso das sociedades a que pertencem. Jesus Ressuscitado conforte as populações atribuladas do Corno de África e favoreça a sua reconciliação; ajude a Região dos Grandes Lagos, o Sudão e o Sudão do Sul, concedendo aos respectivos habitantes a força do perdão. Ao Mali, que atravessa um delicado momento político, Cristo Glorioso conceda paz e estabilidade. À Nigéria, que, nestes últimos tempos, foi palco de sangrentos ataques terroristas, a alegria pascal infunda as energias necessárias para retomar a construção duma sociedade pacífica e respeitadora da liberdade religiosa de todos os seus cidadãos. 
Boa Páscoa para todos!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O MUNDO À NOSSA VOLTA

Caridade Sim. Consideração Nunca. Gonçalo Miller Guerra, s.j. A consideração não dá de comer nem de vestir. Ora Nosso Senhor na Sua infinita sabedoria mandou-nos vestir os nus e matar a sede aos sequiosos mas em lado nenhum exige que tenhamos consideração por eles. E assim fazemos. Damos esmola, ajudamos as obras de caridade, Caritas, Misericórdias, alunos a estudar, etc. Alguns de nós ajudam pobres que conhecem pessoalmente. Mas não temos consideração por eles. Claro que estou a exagerar. Evidentemente que temos consideração por eles. Se até temos consideração pelas flores!... (Vão lá dizer aos ecologistas que estamos a dar cabo do ecossistema a ver se não há consideração pelas flores!) O que eu afirmo é que não temos pelos pobres a consideração que temos por “nós”. Nem o grande teórico da libertação da classe operária, Karl Marx, tem consideração pelos pobres. Não tem que lhes fazer. Não os encaixa na sua teoria de conquista da felicidade. A luta de classes dá-se entre a classe operária e o campesinato e os detentores dos meios de produção. Com outras classes pelo meio. Os pobres, os mendigos, os sem-abrigo, as prostitutas de rua, os pequenos criminosos, os drogados não têm cabimento na luta de classes. Não são considerados um factor de progresso social. Ou seja, nem a teoria marxista tem consideração pelos pobres (de que estou a falar). Um pobre é só um pobre. Não tem classe de espécie nenhuma. Nem é uma pessoa com classe nem pertence a nenhuma classe. Quem pertence a uma classe não é designado por essa classe. Dizemos: “à minha porta costuma estar um pobre”. Mas nunca ouvi dizer: “à minha porta costuma estar um “classe média”. Mesmo os termos “operário”, “criada” “camponês” começam a cair em desuso por ofensivos. Mas “pobre” não parece ser ofensivo aos ouvidos dos mentores do politicamente correcto. (Pode ser que se comece a dizer "destituído de proventos". Seria mais estético, menos ofensivo para os nossos(!) ouvidos. Ou mesmo "pessoa em fase de ausência de proventos". Isso então é que seria bonito. E de uma “enorme consideração” pelas tais “pessoas em fase de ausência de proventos”.) Nós, alguns de nós, nos quais me incluo, também não temos pelo pobre a consideração que temos pelos não-pobres. Nunca vi ninguém ir a uma loja “boa” e comprar uma camisa para dar a um pobre. Quem diz uma camisa diz sapatos, um fato, etc., etc. A uma loja onde compramos coisas para a nossa família ou amigos. Ou ir ao nosso alfaiate com um pobre e mandar fazer-lhe um fato bom e quente ou bom e fresco. Ia ser um escândalo e uma loucura. (Cf. 1 Cor 1, 23). E nós não somos gente de escândalos. Somos gente submissa, envergonhada e escrava das convenções. Levar um pobre a um alfaiate! Ao nosso alfaiate! Ao alfaiate onde toda a gente nos conhece! Dizia-nos logo que o dito pobre não entrava lá mais porque afugentava a clientela de gente importante. E era verdade. Também não levamos um amigo mas aconselhamos-lhe o alfaiate. Mas levamos a família… Aos pobres, às instituições de caridade (alguns não dizem caridade mas eu digo, que sou católico) não se dá roupa boa e nova. Quando muito dá-se roupa boa usada. E se temos alguma consciência, em bom estado. E de facto, sem ironia, já fazemos muito porque pessoas há que vendem a sua roupa em vez de a dar. É evidente que não temos dinheiro para dar 10, 20 peças de roupa boa aos pobres. Mas e se comprasse para dar de presente como se alguém fizesse anos, aquela peça de roupa a mais de que “precisamos”? Quantas peças de roupa, sapatos, meias, abafos, etc., temos? Os pobres são uns queridos. Ainda bem que existem. Eles sim podem andar com as coisas que eu já não quero. São uma maneira óptima de renovarmos o nosso guarda roupa com a consciência em paz. Porque eles são pobres e têm é que calar e estar agradecidos à minha enorme generosidade em dar o que já não quero. Porque até podia não dar. E que tipo de comida damos aos pobres? Bife de lombo? Alguma vez? Não defendo que se alimente os pobres a bifes de lombo. Claro que não podemos. Mas já nos lembrámos de dar àquela família que conhecemos 2 kg de lombo uma vez por ano? Eu que escrevo este artigo e que acho que a partir de agora de vez em quando tenho que comprar uma coisa nova para dar, sinto uma sensação estranha quando penso nisso. É uma ideia que me parece esquisita. É como dizerem-me para plantar canetas. Nunca ouvi falar. Nunca vi ninguém fazer. Canetas não se plantam. Para os pobres não se vai comprar roupa nova e boa. Porque os pobres NÃO SÃO como NÓS. Os pobres SÃO INFERIORES. Pensamos neles como inferiores, olhamo-los como inferiores, consideramo-los inferiores, tratamo-los como inferiores. E transmitimos isto de geração em geração! Os pobres são a imagem de Cristo? São. De um Cristo crucificado, humilhado, ofendido. E sem dignidade. Mas o nosso Cristo não é este. É um Cristo que não sofre de facto e que não é pobre. Porque é feito à nossa imagem e semelhança. Para não nos incomodar.