quinta-feira, 31 de março de 2011

À Procura da Palavra, do padre Vítor Gonçalves,

À Procura da Palavra, do padre Vítor Gonçalves, de comentário aos textos da liturgia católica do domingo seguinte. “Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença.” (Evangelho segundo S. João 9, 32) – Domingo IV da Quaresma Amigo dos olhos abertos! Não sei como te chamar porque não nos chegou o teu nome mas o evangelista João deixou-nos um retrato teu que impressiona sempre que o escuto e ficou-me uma vontade de te escrever. Ao contrário de outros cegos dos evangelhos parece que não pediste nenhum milagre a Jesus. Não gritaste nem se ouviu a tua voz. Talvez nem tivesses ouvido falar dele. De facto foi Jesus que te encontrou no caminho e depois de tentar libertar as mentes dos discípulos do preconceito de que a doença e o sofrimento eram castigo dos pecados, pôs-te “na berlinda”. Deves ter ficado surpreendido com aquele lodo feito de saliva e terra que Ele te pôs nos olhos e com a ordem para te ires lavar à piscina de Siloé. E foste, e ainda bem que foste! Gostava tanto de te ouvir contar como foi o teu abrir de olhos e começares a ver! Sabes, às vezes, andamos com os olhos desfocados ou cheios de escamas que já nem nos maravilhamos com o dom de ver. Como se andássemos doentes dos olhos e só vemos o que é feio, o mal dos outros e do mundo, a escuridão. Imagino o teu olhar como o das crianças, encantado com tudo, maravilhado com o insignificante e com o grandioso, espantado quando viste o teu rosto pela primeira vez e o daqueles que só conhecias pela voz, pelas mãos. Estavas a nascer de novo! E como isso te transformou. Já não fazia sentido pedir esmola mas era preciso dizer que eras o mesmo e também outro. No meio de acesa polémica foste questionado, levado aos fariseus, quiseram manipular-te, insultaram-te, mas foi crescendo em ti uma voz, uma coragem para até ironizar com os que te julgavam. Não aceitavam que tivesses nascido “inteiramente em pecado” e estivesses a ensiná-los! Continuamos a ter dificuldade em acolher as surpresas de Deus. É tão fácil espalhar o preconceito e viver em condomínios fechados do pensamento. Julgamos ver melhor e talvez estejamos cegos para o essencial. Mas também há modos refinados de prolongar “cegueiras”, de esconder verdades, de manipular pessoas e multidões. Na política, na economia e até na fé há “sábados” intocáveis de inércia e acomodamento, de poderes apetecíveis, de tradições vazias, de injustiças prolongadas. Continua a ser verdade: “o pior cego é aquele que não quer ver”. Mas foi o olhar de Jesus que mais te impressionou, não foi? Há uma canção brasileira que diz assim “Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem-se encontrar…”. Ver e acreditar foi um enorme passo. Como se transformou o teu caminho? Como se transformam os nossos que também acreditamos em Jesus? Pode ver-se nos nossos olhos a luz que passou a habitar os teus? Obrigado pela tua paciência em me leres. Um abraço a Jesus e vemo-nos por aí! (ilustração: El Greco, Jesus curando o cego) : P. Vítor Gonçalves,

segunda-feira, 28 de março de 2011

Catequese do cardeal-patriarca de Lisboa no 3.º Domingo da Quaresma

Catequese do cardeal-patriarca de Lisboa no 3.º Domingo da Quaresma

Dá-me dessa Àgua

DÁ-ME DESSA ÁGUA. A Samaritana disse estas palavras a Jesus, junto do poço de Jacob, porque esta mulher tinha conhecido Aquele que tem o poder de dar a água viva. De facto, Ele tinha-lhe dito:

«Se conhecesses o dom
que Deus tem para te dar
e quem é que te diz:
‘Dá-me de beber’,
tu é que lhe pedirias,
e ele havia de dar-te água viva»

(Jo 4,10).

O mesmo diz Jesus a todos os leitores da Bíblia: “Se conhecesses a minha Palavra, terias aí uma fonte de água viva, para matar todas as tuas sedes, saciar as tuas fomes, encontrar um verdadeiro sentido para a tua vida”. O poço foi um meio, um “método” que a Samaritana teve disponível para encontrar a água viva, que é Jesus e a sua Palavra. Mas acontece que poucos conhecem essa Palavra, porque desconhecem o modo de a ler. Por esse motivo, ficam sem conhecer o dom de Deus, que é a sua Palavra, o maior dom que Deus nos oferece por meio do seu filho Jesus. Não conhecem a Palavra porque nunca foram ao “poço”, nem sabem que ele existe. Por isso não encontraram Jesus nem podem beber da sua água viva! É urgente procurar o poço, encontrar o poço!



Métodos de leitura da Bíblia não nos fazem beber a água nem muito menos nos matam a sede, mas abrem caminhos para encontrarmos o poço onde essa água se encontra. Os diferentes métodos de leitura da Bíblia aqui apresentados são esse caminho de acesso. É urgente descobri-los, para encontrar a água que mata todas as sedes. Sem estes caminhos, dificilmente encontraremos o poço e a Água da Vida. E aqui encontramos caminhos, acessos diferentes:
Frei Herculano Alves

sexta-feira, 25 de março de 2011

Preparar o centenário

Preparar o centenário
das aparições do Anjo em Fátima
«Orai! Orai muito! – Orações e Ensinamentos do Anjo (Fátima – 1916)» é o título do novo livro da autoria do P.e Dário Pedroso, com prefácio do Bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto.
Sintetizando o conteúdo da mensagem do Anjo, nas três Aparições aos Pastorinhos, em 1916, a Obra procura ser uma ajuda teológico-espiritual para todos os cristãos, em ordem à vivência deste ano de 2011, que o Santuário de Fátima dedicou ao Anjo e à sua mensagem, e em ordem a preparar a vivência do centenário das aparições do Anjo.
O Livro inclui uma primeira parte, com onze capítulos, comentando e meditando as Orações que o Anjo ensinou, e uma segunda parte fazendo o mesmo sobre os ensinamentos, apelos, convites do Anjo. Nesta segunda parte, o Autor procura, em nove pequenos capítulos, fazer uma catequese, uma síntese orante dos ensinamentos do Anjo aos Pastorinhos.
Segundo o sacerdote jesuíta, «Orai! Orai muito!» «pode ser grande ajuda para os párocos, fazendo com ele catequese, Horas Santas, celebrações da Palavra, para a leitura espiritual e para a oração de todos os cristãos».
D. António Marto refere, no Prefácio, que o Autor «procura pôr em evidência toda a beleza e riqueza das orações e dos ensinamentos do Anjo aos pastorinhos, dos temas singulares que contêm, e actualiza-os para hoje de modo muito concreto. Fá-lo através da forma de celebração que inclui a meditação, a oração, o cântico, o exame de consciência, de modo a levar-nos à experiência de Deus em nós e no mundo, à interiorização do seu mistério de amor transformador e libertador. Leva-nos, verdadeiramente, a saborear a dimensão contemplativa e mística da fé, da esperança e da caridade, tão imprescindível para viver como cristão no ambiente inóspito de hoje».
«O P. Dário, com a sua pena fluente, com a sua veia poética e o seu coração místico, consegue fazer passar o encanto e a adoração de Deus que fascinou os pastorinhos. Bem-haja por este seu contributo para a vivência do Centenário das Aparições!», acrescenta o Bispo de Leiria-Fátima

terça-feira, 22 de março de 2011

A Anunciaçao


Diz o Evangelho segundo Lucas que Maria, após a anunciação do anjo, “pôs-se a caminho, e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia” (Lc 1, 39). Queria visitar a sua prima Isabel, mulher avançada na idade, estéril, a quem Deus havia prometido um filho (Lc 1, 7). O seu marido, Zacarias, não acreditou em Deus e, por isso, ficou mudo até ao dia do nascimento. Disse ele ao anjo: “Como hei-de verificar isso, se estou velho e a minha esposa é de idade avançada?” (Lc 1, 18). O filho era João Baptista (Lc 3, 3).

Este quadro que vês pertence a Jocopo Carruci, também conhecido por Pontormo, chama-se La visitazione e data de 1528. O motivo é evidente: a visita de Maria à sua prima Isabel, por altura da gravidez.

É, portanto, natural que surjam, em primeiro plano, as figuras principais. Duas mulheres que se abraçam, que criam intimidade. É um momento há muito desejado, não só por elas, mas também pelos seus filhos, que aqui se tocam. Diz-nos Lucas que Maria “saudou Isabel” e, “ouvindo a saudação, o menino saltou-lhe de alegria no seio” (Lc 1, 40-41). Isabel corresponde ao gesto, “ergue a voz” e exclama um cântico de louvor pela maternidade de Maria e pelo “fruto do seu ventre” (Lc 1, 42). Um círculo perfeito, como ilustra o entrelaçar dos braços. Isabel, ao contrário de Zacarias, soube reconhecer a singularidade de Maria. Na verdade, o filho de Maria é o Cristo há muito esperado e, portanto, ela é a “mãe do Senhor” (Lc 1, 43). Palavras iluminadas, uma autêntica profissão de fé, apenas possível por meio de uma revelação divina. E agora repara na mão direita de Maria, disposta num modo pouco usual. Os dedos invocam a Trindade, fonte que ilumina as palavras de Isabel. Quando não se acredita, fica-se mudo. Quando se acredita, tudo fica mais claro. Invocam, ainda, este Deus que se faz próximo e que, por meio de Jesus, comunga a nossa humanidade, divinizando a nossa existência quotidiana (os dois dedos centrais juntos).

Curiosas são também as duas figuras em segundo plano. Parecem alheias ao acontecimento. Todavia, estão dispostas simetricamente em relação a Maria e Isabel, constituindo uma espécie de reforço simbólico. A mais nova do lado de Maria e a mais velha do lado de Isabel. Alguns autores, como Philippe Costamagna, falam de uma transição entre a antiga Igreja e a nova Igreja, do primeiro Testamento para o segundo Testamento. Neste sentido, é necessário recordar as palavras de Cristo: “A Lei e os Profetas subsistiram até João; a partir de então, é anunciada a Boa-Nova do Reino de Deus” (Lc 16, 16). E, no fundo, aquele abraço simboliza a inauguração da nova Igreja, com profundas raízes judaicas.



O olhar das personagens é algo formidável. Maria e Isabel estão completamente absorvidas uma pela outra. Olham-se directamente. Maria com um olhar mais determinado fixa-se em Isabel. Ela, por sua vez, com a cabeça ligeiramente inclinada olha para Maria, procura encontrar um sentido para o mistério que está a acontecer. Daí que a sua perna esteja ligeiramente flectida. Perante aquele(a) que é portador(a) do mistério, a reacção é sempre de espanto e admiração, flectindo-se o joelho: “Vinde, prostremo-nos por terra, ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou” (Slm 95, 6).
Por sua vez, as duas senhoras em segundo plano fixam-se em nós. Forçam-nos a olhar para o centro do quadro e a gravarmos na nossa memória o que ali se passou. Não fazemos nós parte do mesmo mistério de Cristo? Nós procuramos também nós uma explicação para tantos mistérios da nossa vida?
Pe Tiago Feitas

quarta-feira, 16 de março de 2011

Quaresma é tempo propício a escutar a Palavra

Tempo favorável. Só a Palavra converte.

1º – Palavra que é Pessoa. Já o soubemos: Jesus é a Palavra do Pai. A Palavra é uma Pessoa. Pessoa que nos diviniza, nos sacia, nos converte, nos alimenta, nos transforma, nos quer identificados com Ela, a Palavra que é o Verbo do Pai. O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. É o Filho de Deus e o Filho da Virgem Maria. Palavra que é Vida divina, que fala em palavras humanas os mistérios do amor. Revela-nos o Pai, o Espírito, fala de Si mesmo. Revela o segredo misterioso da Igreja e dos sacramentos. Revela o Reino e com ele o caminho das bem-aventuranças. Revela no amor pascal a síntese de toda a graça: amor eucarístico de Quinta-feira Santa, amor Crucificado de Sexta-Feira Santa, amor Alegre e Ressuscitado de Domingo de Páscoa. Esta Palavra que é uma Pessoa divina, foi até ao extremo do amor. Fez-Se Pão Vivo para ser nosso alimento. Morre para ser fonte de vida e de graça.

2º – Este é meu Filho escutai-O. É algo super importante ir ao Tabor, ao Monte da Transfiguração, e ouvir o Pai dizer-nos “Este é meu Filho, escutai-O”. O Pai quer que escutemos o Filho, que prestemos atenção à sua voz, aos seus ensinamentos, aos seus mandamentos. Escutar a Palavra, que é o Filho, é dom e graça. Escutar o Filho para entrar na comunhão com o Pai e com o Espírito, para entrar na comunhão trinitária. Escutar o Filho para sermos evangelizados por Ele que é a divina Palavra. O Pai não quer, não deseja outra coisa. Precisamos de nos abrir à Palavra, escutá-la, fazê-la vida da nossa vida. Só no silêncio interior a Palavra pode ser acolhida, mastigada, comida, saboreada, fazer-se vida em nós. Só no deserto se escuta bem a Palavra: deserto de coração para acolher e escutar o Filho bem-amado.

3º – Rezar a Palavra. A palavra é para ser rezada e não só ouvida. Rezada significa “ouvi-la de dentro” como ensina o Concílio Vaticano II. Escutá-la com o coração, saboreá-la internamente. É a arte da meditação do texto para que seja “comido”. O Anjo disse ao Profeta: “Toma o livro e come”. Comer o livro é saborear a Palavra e fazê-la vida em nós. Meditar, ir pensando que tem este texto a ver comigo, que me diz o Espírito através dele? Como vou colocar em prática no quotidiano o que está escrito, as interpelações? Que tem a minha vida de mudar para assumir este texto, este versículo, esta atitude de Jesus (exemplos concretos).

4º – Qualidade do terreno. A parábola do Semeador, em Lucas 8, é bem clara ao afirmar que a semente é a Palavra de Deus, mas que o terreno é o coração do homem. Há várias qualidades de terreno: a) duro, pisado, a semente cai e não germina; b) com rochas, a semente cai e começa a germinar mas não tem terra nem humidade e morre; c) a semente cai entre os espinhos: cuidados, riquezas, prazeres da vida, e os espinhos sufocam-na. Mas há terreno nobre e virtuoso que acolhe a semente e dá muito fruto. Importa saber que terreno é o nosso coração. Que rochas há em nós, que espinhos… importa pedir coração nobre e virtuoso. Só assim acolhemos a Palavra e ela se faz vida em nós. Nossas vidas se vão transformando, cristificando, divinizando.

5º – Evangelizar o nosso interior. O nosso ser está por evangelizar. Há uma evangelização “ad intra”, não basta “ad extra”… A nossa inteligência não pensa sempre e em tudo como Jesus… A Palavra vai evangelizando a inteligência para pensarmos como Jesus pensou… para assumir critérios evangélicos. Mas o nosso coração também não ama como Jesus, não ama sempre e a todos… o coração precisa de ser evangelizado. A nossa vontade não quer sempre o que Deus quer… só a Palavra pode evangelizar a nossa vontade, para querer como Jesus… O mesmo deve suceder à nossa afectividade, a nossa liberdade, a nossa língua e modo de falar, os nossos cinco sentidos, etc. Precisamos de ser evangelizados pela Palavra que nos converte e purifica, que muda a nossa vida e nos faz homens e mulheres evangélicos.

6º – Construção sobre a rocha. Outro tema importante, outro ensinamento de Jesus, é a parábola da casa construída sobre a areia ou sobre a rocha. Quem não ouve a Palavra e não a põe em prática é casa construída sobre areia. Vem uma tempestade, um vendaval, vai a areia e cai a casa. Mas quem ouve a Palavra e a coloca em prática é casa construída sobre a rocha, que resiste às tempestades da vida. A Palavra é o rochedo firme sobre o qual construímos nossa vida. Pode suceder uma doença, a morte de um familiar, pode assaltar-nos uma tentação grave, pode bater-nos à porta uma calúnia ou algo mais difícil, que a casa não cai. Está sobre a rocha firme que é a Palavra de Deus. A vida é vivida de outra forma. Tudo se vive segundo a Palavra que é luz para nossos passos, luz que nos encaminha, luz que nos faz viver de um modo novo para sermos casa construída sobre a rocha. O rochedo é Cristo, é a Palavra do Pai.


Pe Dário Pedroso

quinta-feira, 10 de março de 2011

Viver a Quaresma

I Domingo de Quaresma
(Mt 4,1-11)

«Então o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome. Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: "Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!" Mas Jesus respondeu: "Está escrito: 'Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus'". Então o diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo, e lhe disse: "Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo! Porque está escrito: 'Deus dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra'". Jesus lhe respondeu: "Também está escrito: 'Não tentarás o Senhor teu Deus!'". Novamente, o diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e sua glória, e lhe disse: "Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar". Jesus lhe disse: "Vai-te embora, Satanás, porque está escrito: 'Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a ele prestarás culto'". Então o diabo se afastou. E os anjos se aproximaram e serviram a Jesus.» .

Começamos hoje o caminho da Quaresma que outrora foi entendida como um período para exercitar a mortificação penitencial sobre os instintos e as necessidades do homem, com a ilusão de que este fosse o melhor caminho para se preparar ao grande evento da Páscoa que é o centro de toda a nossa fé. Evidentemente um tipo de leitura da realidade que deixa transparecer uma certa negação de tudo quanto é profundamente humano, contribuiu para que se afirmasse esta interpretação da Quaresma, o que não condiz muito com aquilo que Evangelho de hoje nos diz. Como reacção a este tipo de visão, em alguns casos caímos no seu contrário, deixando de lado ou não dando o devido valor a coisas que têm uma longa história na caminhada da Igreja. Deste modo, por exemplo, a penitência foi colocada de escamoteio, reduzida a um simples “acréscimo de actos de bondade” ou ao aumento de orações; em outros casos o caminho quaresmal foi identificado com um maior comprometimento em problemas sociais e humanos muito genéricos… e assim por diante. Com certeza nada disto está errado, mas é preciso se perguntar se é isto que constitui realmente o centro daquela atitude que a Igreja nos propõe para este período e que chamamos de “penitência”. Não é por acaso que a Igreja nos indica este Evangelho como a chave para entender realmente o que é a penitência. O que acabamos de ler é uma um drama, um conflito envolveu totalmente Jesus e que se travou de modo definitivo no mais íntimo do seu coração. Provavelmente é no mesmo lugar, no mais profundo do nosso coração que poderemos encontrar o significado pleno da penitência que somos chamados a reavivar neste período.
Quando falamos em “opção fundamental da nossa vida”, nos referimos àquele princípio básico que norteia as decisões que cada um de nós toma no decorrer da sua existência. Sem uma linha mestre, o nosso existir fica à mercê de quaisquer forças exteriores, as quais, frequentemente, têm objectivos escusos ou interesseiros. Não podemos não ver uma analogia com o que o Evangelho de hoje nos apresenta. Infelizmente às vezes agimos nem sequer nos perguntar sobre qual seja a nossa opção fundamental; simplesmente em base a estímulos, quase que subjugados àquele mecanismo ateu de “acção-reacção” que reduz o homem a uma peça de um jogo maior. Ter sempre diante dos olhos a nossa opção fundamental é o primeiro passo para crescermos na liberdade.
O Evangelho de hoje vem nos ajudar a questionarmo-nos exactamente sobre este ponto: qual é a escolha fundamental da minha vida? Se for Deus, que lugar realmente Ele ocupa no estilo que imprimo à minha vida? Provavelmente com a indicação do trecho do Evangelho de hoje será mais fácil colocarmo-nos na atitude que a Igreja chama: disposição à “conversão” e à “penitência”. Sigamos os passos do Evangelista, sem cair na presunção de querer entender o drama de Jesus, mas fazendo deste um ícone -é assim que se propõe o Evangelista que nos possibilite ter a mesma atitude do Senhor.
As primeiras coisa que percebemos é que se tratam do início do caminho de salvação; isto fica evidente pela menção directa do Espírito Santo que «conduz» Jesus. Jesus é conduzido no deserto da sua vida, no lugar onde está a sós consigo e com o Pai. É lá, naquele deserto que cada um de nós carrega dentro de si podemos fazer, com Jesus, as suas mais bonitas e livres escolhas da nossa vida. Ora, para podermos fazer opções livres e responsáveis, todos precisamos fazer isto sobre uma verdade de fundo. Eis, então que descobrimos qual é o primeiro movimento do Espírito quando começa a sua missão de “unir” os homens a Deus e Deus aos homens assim como une o mesmo Deus no seio da Trindade: ensinar a verdade. O Evangelista João dirá: «quando vier, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade» (Jo.15,13). O primeiro passo da liberdade é a verdade, a verdade sobre nós mesmos, sobre as coisas mais escondidas que carregamos, os medos, as cobiças, as invejas, a sede de reconhecimento… Como ser livres e amar livremente Deus e os homens sem conhecer e tocar a verdade? É o primeiro passo do Espírito que conduz: conduz à “tentação” onde podemos conhecer a verdade e, uma vez que isto acontece, começamos também a aprender a amar o que nos somos e o que ainda não somos. Aprendemos a usar a Palavra de Deus mais do que a nossa força, as nossas razões, porque apenas a Palavra é capaz de dar liberdade.
O quadro é o deserto, os personagens que conflituam são Jesus e o demónio, as armas usadas são a fragilidade do homem e a palavra de Deus. O resultado é sintetizado num único versículo: «Então o diabo se afastou» (mas não é derrotado!) e os Anjos, que no Antigo Testamento sempre são apresentados como estando ao serviço de Deus, passam a servir Jesus, em plena sintonia com o Pai.
A narração começa com o advérbio «Então», deste modo o Evangelista deixa transparecer o propósito de estabelecer uma continuidade entre três factores: o Baptismo de Jesus, a tentação e o início do anuncio do Reino (que começará logo depois das tentações). Tudo isto é parte de um único mistério pelo qual acontece a salvação de cada homem. A tentação, logo, não parece ser um factor casual, quase um “acidente” no percurso da fé ou a expressão de alguma fraqueza. É o contrário! O Evangelista se coloca na linha da mais singela tradição da Escritura, segundo a qual a vocação comporta imediatamente a “tentação”, aliás, o próprio chamado é “tentação” como, por exemplo, fica claro no caso de Abraão: «Deus pôs Abraão à prova (“prova” e “tentação” são o mesmo vocábulo) dizendo-lhe: “Abraão!”. Este lhe respondeu: Eis-me aqui!» (Gen 22,1). Vemos que já no chamado existe implícita a dupla possibilidade de aderir ou não, ou seja: a opção. Quando Deus chama, coloca em jogo a parte mais íntima de nós mesmos, que é a liberdade de escolher se seguir a Ele ou seguir o nosso modo de ver as coisas. Na “prova”, no chamado, Deus apela à nossa liberdade, porque é apenas pela liberdade que conseguimos nos desvincular daquele mecanicismo chamado “causa- efeito”, pelo qual tudo depende de outra coisa. Pode valer para um certo tipo de física, mas não para o homem. Pensar que o homem age por causa - efeito é realmente degradante, é uma ofensa à dignidade da pessoa humana, pois desconsidera a sua tensão natural para o super amento de si mesmo… rumo ao infinito. O homem pode escolher algo que está acima dele. Este é o ponto fundamental da liberdade. Quando Deus propõe uma situação, qualquer esta seja, de sucesso ou fracasso, alegria ou sofrimento, está dando aquela ocasião de superar o nosso limite: esta é a “prova” na Escritura. É um profundo gesto de amor para podermos amar na verdade. Muitos são os testemunhos que a Escritura nos dá sobre esta visão positiva da “tentação” ou “prova” (o vocábulo é o mesmo). O homem que aprende a conviver com Deus a deseja, como no caso do sábio que chega a esta conclusão: «Se quiser servir ao Senhor, prepara-te para a tentação» (Ecli 2,1). Judite, relembrando todo o caminho de Abraão, diz aos seus: «…Além do mais, agradeçamos a Deus que nos põe à prova como já fez com os nossos pais» (Jdt 8,25). Também o Salmista reza, pedindo a Deus que lapide, que pula, o seu coração para poder caminhar com Ele: «Senhor, põe-me à prova, afina com o fogo o meu coração e a minha mente» (Sal 26,2). O nosso texto também começa com uma visão positiva: foi «o Espírito» quem «conduziu Jesus ao deserto».
No Antigo Testamento, quando Deus começou a sua história com Israel, Abraão foi convocado para que deixasse a sua rotina de vida e se lançasse fora do seu mundo restrito em direcção a outra “terra”. Em Jesus temos algo semelhante, quem impulsiona é o Espírito Divino, isto é, Aquele infinito desejo de comunhão entre o Pai e o Filho que, a partir do seu interior, sempre conduz um em direção do outro. Todo cristão é conduzido da mesma forma que Jesus e pelos mesmos caminhos. Entende-se assim como, em Jesus, o que acontece no deserto é implicitamente oriundo daquela tensão amorosa de comunhão que exige plena liberdade e total clareza. O que, de fato, é necessário também para a nossa vida com Deus. Nada pode impedir uma radical decisão de aderir a Deus, movidos apenas por um desejo de comunhão; é isto que sintetiza o trecho do nosso Evangelho.
Porquanto houver impedimentos e incompreensões, sempre o cristão poderá dizer na máxima liberdade: “É isto que escolhi para mi!” O Baptizado sabe perfeitamente que toda a sua caminhada é um processo no qual deverá exercer sempre a sua liberdade com um coração sempre mais “afinado”, “polido”, “purificado” pela acção de Deus. Assim sendo, o tempo que Deus nos dá à disposição é uma continua reafirmação da boa disposição do nosso coração a que Deus possa agir, transformando-o à imagem do coração de Jesus. Esta é a penitência, é um deixar a Deus purificar o nosso coração para uni-lo, pelo Espírito, a Si mesmo. É um dizer cada dia como Abraão, como Maria: «Eis-me aqui!». Esta é conversão, esta é penitência, a “mudança de mentalidade”! Pensar com o pensamento de Deus, sentir com o coração de Deus do modo como o vemos em Jesus.
Já que o apelo de Deus é um exercício da liberdade, é possível também que se faça a escolha errada, é por isso que Jesus nos pediu de repetir ao Pai: «Não nos deixes cair» na opção errada erro quando estivermos diante daquela terrível possibilidade de escolher entre a nossa mentalidade e a mentalidade de Deus, o que chamamos “tentação”.
O problema se põe com toda a sua força quando nos damos conta de que Deus age de modo imprevisível; este comportamento é evidente na grande parte da Escritura. Quando pressupomos que Deus aja de um modo… Ele age de outro, e isto nos deixa atordoados. A “tentação” de Israel consiste justamente nisto. Frequentemente descobrimos que a resposta de Israel é pecaminosa: quando tenta compreender o agir de Deus, procura faze-lo reduzindo a lógica do Altíssimo à sua lógica (cfr. o caso de Davi e Natã em 2Sam 7). E mais, quando Israel não se abre para poder superar o impasse, atribui ao demónio uma acção que “estimula”, “provoca” etc. simplesmente para fugir da responsabilidade de ter feito uma opção desconforme à vocação recebida (veja-se, por exemplo, o caso narrado de dois modos diferentes em 2Sam 24,1ss e 1Cron 21,1ss). É como se dissesse: “a culpa é do diabo que me empurrou, não é a minha”. Esta atitude fez crescer um certo dualismo segundo o qual num lado estão as potências do mal e do outro está Deus. Desta forma, porém, o homem é como um joguete nas mãos de duas potências que contendem. Nos escritos de Qumrã encontramos: “Por causa do Anjo das trevas é que os filhos da justiça perdem o caminho; todos os seus pecados suas iniquidades, seus erros, suas obras de rebelião são devidas a ele” (1QS III), “Sobre eles domina o espírito de Belial” (CD XII). Nota-se perfeitamente a distorção: o homem não é mais o responsável de seus aptos mas sim o demónio. O trecho de hoje vem dizer exactamente o contrário: mesmo nas maiores dificuldades, naquelas em que com maior veemência percebemos quanto somos frágeis (as três principais tentações do homem), mesmo ali ninguém é escravo; mesmo ali encontrará a sua possibilidade de dizer “sim” a Deus, como fez Jesus, mas apenas se saberá colocar no lugar certo a Palavra de vida.
Qual é o “lado sombrio” da tentação? Qual obscura verdade sobre nós mesmos a tentação pode mostrar?
Talvez a etimologia da palavra possa nos ajudar, uma vez que as palavras foram criadas em função de sentimentos, atitudes etc. Tanto a língua grega quanto a latina, nos ajudam para compreender como uma situação nascida positivamente, como oferta de Deus, possa originar uma atitude negativa na qual o homem se afasta Dele.
Na língua grega o verbo (peiraw, do qual vem “tentar” ) indica a “ânsia de ir além”, “querer examinar”, “querer testar”, com atitude de concorrência, de rivalidade. É assim que no livro de Gênese o autor chama o pecado radical do homem, pecado que é “origem” de tudo: pensar Deus como rival, concorrente. Este é o lado sombrio da tentação, quando pensamos que Deus esteja “testando”, como se Ele não soubesse de antemão quem somos e como somos feitos! Quando é assim, termina a relação de confiança, a qual é substituída por aptos de auto-afirmação diante de um Deus não reconhecido mais como amigo. Quando Deus não é tido mais como “amigo” o homem começa a procurar o “seu modo”, o “seu caminho” para realizar aquilo em que crê, e o faz prescindindo do caminho que Deus propõe. O mesmo sentido é dado pela língua latina onde o verbo “tempto” -do qual deriva “tentação”- indica “tocar com as próprias mãos” (port. “tatear”). Mais uma vez é realçada a atitude do homem que não confia e, consequentemente só age depois de ter constatado com as próprias mãos. Eis o pecado: desconfiar que Deus conseguirá levar a cumprimento a promessa de felicidade autêntica para todo homem e para cada um dos homens, não obstante os caminhos mais estranhos e imprevisíveis que Ele possa percorrer.
A Jesus o demónio propôs exactamente este dilema. Que é o nosso também.
Confiar ou querer “testar”?
Os desejos do Pai eram os mesmos de Jesus, como tantas vezes nos acontece também: temos os mesmos desejos e objectivos de Deus. Mas qual é o caminho? Fazer com as nossas próprias mãos o que achamos certo ou trilhar um itinerário desconhecido que, às vezes, não nos parece “certo”? O engano ao qual a tentação pode induzir é o de abandonar o modo de proceder de Deus para escolher “outro” modo de obter o resultado!
De uma opção confiante, renovada a cada dia, pode renascer sempre um coração capaz de se converter a Deus. Tudo, absolutamente tudo deve passar em segunda linha em confrontação com esta certeza: Deus me ama! Somente isto poderá dar-me a força de dizer, mais uma vez: «Eis-me aqui», a mais bonita e amorosa das respostas que nasce da penitência.

Um bom início de Quaresma a todos, na graça de Deus!
Pe.
Carlo

segunda-feira, 7 de março de 2011

Apostolado de Oração

"Interiorizar... para depois extravasar de alegria", por Cláudia Pereira, de Apostolado de Oração

Depois da folia dos festejos carnavalescos, chega um dos momentos mais marcantes para a vida dos cristãos. A Quaresma tem um significado e uma importância vitais e deve ser assumida nesse sentido e não apenas como uma sequência de «dias obscuros», cinzentos, em que somos «obrigados» a privar-nos de determinados hábitos ou exageros.

Liturgicamente, o período que nos leva até à Páscoa é particularmente marcante e os cristãos devem saber aproveitá-lo devidamente, interiorizando as mensagens transmitidas ao longos destes dias, para vivenciarem o Domingo da Ressurreição com um espírito renovado.

Não são meros rituais, que cumprimos por tradição. Se participarmos na Missa de Quarta-Feira de Cinzas, com a imposição das mesmas sobre a nossa cabeça, se interiorizarmos e vivermos intensamente os valores e práticas destes 40 dias, como o jejum, a esmola e a oração, se participarmos na Missa da Ceia do Senhor, em Quinta-Feira Santa, na Celebração da Paixão do Senhor, em Sexta-Feira Santa, e na Solene Vigília Pascal, veremos que o Domingo de Páscoa terá outro sabor.

Na sua Mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Bento XVI refere que «a Igreja, nos textos evangélicos dos domingos de Quaresma» – que relatam as tentações de Jesus, a Transfiguração do Senhor, o episódio da Samaritana, a cura do cego de nascença e a ressurreição de Lázaro – nos guia «para um encontro particularmente intenso com o Senhor, fazendo-nos repercorrer as etapas do caminho da iniciação cristã».

«Através das práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, expressões do empenho de conversão, a Quaresma educa para viver de modo cada vez mais radical o amor de Cristo».

É verdade que a Quaresma nos convida a um estilo de vida mais sóbrio, à simplicidade por exemplo em algumas refeições, à abstinência de carne em determinados dias, ao jejum, renunciando a alguns alimentos.

A propósito do jejum, o Santo Padre lembra que, «tornando mais pobre a nossa mesa, aprendemos a superar o egoísmo para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso “eu”, para descobrir Alguém ao nosso lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos».

Outra tónica dominante destes 40 dias, que recordam os 40 dias que Jesus passou no deserto, em oração, é a esmola. Se a esmola e a partilha fazem sentido ao longo de todo o ano, neste período elas assumem particular relevo. Importa, no entanto, interiorizar o verdadeiro significado da esmola: abdicar de algo que nos pertence e, quem sabe, nos faz falta (não interessa tanto dar do que nos sobra) e entregá-lo a quem mais precisa.

Diz Bento XVI que «a prática da esmola é uma chamada à primazia de Deus e à atenção para com o próximo, para redescobrir o nosso Pai bom e receber a sua misericórdia».

Atitude particularmente marcante deste período é a oração. Se ela já faz parte do nosso dia-a-dia, porque não intensificá-la e dar-lhe um toque diferente durante este tempo de interioridade? Porque não valorizar ainda mais os momentos de oração em família, que a todos enriquecem e unem? Porque não participar em momentos de oração em comunidade, nomeadamente na Via-Sacra, porque a fé também se vive aí?

Meditando e interiorizando a Palavra de Deus que, na Quaresma, a Igreja nos oferece «com particular abundância», «aprendemos uma forma preciosa e insubstituível de oração, porque a escuta atenta de Deus, que continua a falar ao nosso coração, alimenta o caminho de fé que iniciámos no dia do Baptismo».

Mas de que nos valem esses comportamentos exteriores – jejum, esmola e oração – se interiormente o nosso coração não muda, se não vivemos e interiorizamos a mensagem litúrgica transmitida, se não temos um gesto de amor e de partilha para com aqueles que mais precisam, se, passados esses dias em que até cumprimos alguns preceitos e tradições, continuamos a ter exactamente as mesmas atitudes?

«O período quaresmal é momento favorável para reconhecer a nossa debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a Graça renovadora do Sacramento da Penitência e caminhar com decisão para Cristo», adianta o Santo Padre.

Por isso, importa interiorizar... devidamente... para depois extravasar de alegria.

Liberdade religiosa

A situação tumultuosa de atropelos e crimes à liberdade religiosa, algumas palavras do Papa na homilia do Natal, a sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz, acções criminosas em vários pontos do mundo, ataques à liberdade religiosa no nosso país, etc., nos levaram a dedicar o dossier do Mensageiro deste mês a este tema.

A liberdade religiosa é um direito de qualquer pessoa, qualquer que seja a sua raça, a sua crença, a sua cultura. Liberdade religiosa que não se faça ostensiva e agressiva contra a liberdade dos outros. Liberdade religiosa não só para cristãos ou católicos, mas para todas as religiões do mundo. Diz-se religiões, não seitas, que muitas vezes exploram, cometem crimes, manipulam pessoas, cometem atentados à liberdade pessoal dos seus membros.

O homem é, por sua natureza, religioso, tem uma tendência para o transcendente, é movido pela sua consciência a buscar o divino, o que não morre, o que gera vida. Essa religiosidade, se bem ordenada e pacífica, se defende os direitos humanos como a vida, a paz, a justiça, é algo de grande no coração de cada homem e de cada mulher. Com isto não queremos dizer que todas as religiões são iguais em valores filosóficos e teológicos, em critérios de vida e de costumes, em métodos de oração e de valores éticos. Mas todos temos que crescer no respeito pela liberdade de todos.

Hoje, um pouco por todo o lado, cometem-se verdadeiros atentados à liberdade religiosa. Dizem os especialistas que hoje a Igreja Católica e outras confissões cristãs são as mais atacadas, e seus membros os que mais sofrem perseguição, calúnia, maltrato, morte. Um mundo cruel, sem respeito pelos outros, um mundo cruel que se deixa guiar pela violência, a injustiça, o crime. Quando não há respeito pela liberdade religiosa, como infelizmente acontece em certos sectores do nosso país, há sempre violência, tirania, meios déspotas e agressivos, atitudes caluniosas, se não até criminosas. Sem respeito pela liberdade religiosa não há paz, nem justiça, nem respeito pela vida e dignidade humanas.

Só na busca daquilo que as outras religiões têm de bom, de justo, de caminho para a santidade, de respeito pelos outros, se pode viver um diálogo sincero, frutuoso, que tente unir, que não semeie divisão nem contenda. Estas são sempre pólos de desunião, de atropelos que geram violência, que semeiam tantas vezes a morte. Seguidores de uma religião que, por motivos vários e em nome das suas crenças, atentam contra a vida dos outros, negam com os seus actos a fé que dizem professar. Esta, se é digna e justa, só pode conduzir à liberdade e à paz. Caso contrário, não é caminho que leva à abertura a Deus, ao respeito pela dignidade humana, à aceitação do modo como outras pessoas vivem sua fé, sua prática, seus costumes.

Qualquer fundamentalismo é sempre mau, é sempre caminho de intolerância e de violência, espaço de terrorismo, de ofensa verbal, de falta de diálogo e de aceitação dos outros, dentro ou fora da sua religião. Mas, de tempos a tempos, renascem, ressurgem certos tipos de fundamentalismos, mesmo não religiosos, que destroem a vida, a paz, o diálogo, a alegria, a convivência pacífica, a estima pelos outros, a capacidade de ver aquilo que de bom há nas pessoas, nas religiões, na prática de costumes ou de cultos. Os fundamentalismos, de um ou de outro lado, desta ou daquela religião ou de alguns de seus membros geram sempre mal-estar, disputa, agressividade, violência em grau que pode ser criminoso. Quantos têm perdido a vida, sido mortos, ficado sem casa, sem família, etc., por causa de fundamentalismos criminosos. A paixão cega sempre. Só o amor liberta. Só a luz nos conduz por caminhos de paz e de unidade.



Dário Pedroso